Europa impõe regras verdes e penaliza países mais pobres

15 de outubro de 2024 5 minutos
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A cruzada da União Europeia para descarbonizar sua economia e proteger a indústria local está criando atritos significativos com os países mais pobres, especialmente aqueles que dependem de exportações para o bloco europeu. O caso de Moçambique é emblemático. O país, que luta para se recuperar de uma guerra civil, tem na fundição de alumínio Mozal seu maior empregador industrial, uma peça-chave no esforço de reconstrução econômica. No entanto, essa história de sucesso africano agora corre o risco de ser sufocada pelas novas regras de comércio verde impostas pela Europa.

Mais de metade das exportações de alumínio de Moçambique têm como destino a União Europeia, que, a partir de 2026, começará a aplicar uma taxa sobre as emissões de carbono associadas a produtos importados, por meio do Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras (CBAM, na sigla em inglês). No estágio atual, o CBAM exige que os importadores relatem as emissões de carbono embutidas nos produtos, mas sem necessidade de pagamento. Isso mudará em breve: os importadores terão de comprar permissões de carbono para cobrir a diferença entre o preço pago pelo carbono no país de origem e o preço vigente no sistema de comércio de emissões da UE, hoje em torno de 62 euros por tonelada de CO2.

Essa iniciativa, desenhada para impedir o que a UE chama de “fuga de carbono” — ou seja, a vantagem competitiva de produtos importados de países com regulamentações mais frouxas sobre emissões — coloca os esforços de industrialização de países como Moçambique em rota de colisão com as metas de descarbonização europeias. Países como África do Sul e Índia consideram o CBAM uma barreira comercial injusta, que transfere o ônus da descarbonização para as economias que menos contribuíram para a crise climática. Ambos os países já consideram formalizar queixas na Organização Mundial do Comércio.

As informações foram divulgadas em uma matéria do The Economist, que aponta como o CBAM reflete um dilema maior: o conflito entre as ambições ambientais dos países ricos e as necessidades de desenvolvimento industrial das nações mais pobres.

O dilema é claro: como equilibrar as ambições ambientais dos países ricos com a necessidade dos países pobres de desenvolver suas indústrias? O CBAM é um exemplo desse conflito. Embora o impacto no Produto Interno Bruto africano seja relativamente pequeno — um estudo da African Climate Foundation estima uma redução de 0,91% no PIB do continente —, alguns países, como o Zimbábue, são muito mais expostos. Cerca de 90% das exportações de ferro e aço do Zimbábue vão para a UE. No caso de Moçambique, as exportações de alumínio, que dependem de energia importada da África do Sul (em sua maioria gerada por carvão), tornam o país particularmente vulnerável às novas taxas de carbono da Europa.

A resposta europeia às críticas tem sido tímida. Pascal Lamy, ex-comissário de comércio da UE, sugeriu um pacote de ajuda customizado para Moçambique, que poderia usar o apoio da UE para tornar a Mozal compatível com o CBAM. Alternativamente, a União Europeia poderia reciclar parte da receita gerada pelo CBAM em financiamento climático internacional, como forma de compensar os países afetados.

Por enquanto, os países de renda média, como Turquia e Índia, estão desenvolvendo suas próprias maneiras de lidar com as novas barreiras comerciais. A Turquia, que exporta eletricidade para a UE, está criando seu próprio sistema de comércio de emissões. A Índia, por sua vez, está estudando a possibilidade de taxar suas exportações de alto carbono para a Europa, com o objetivo de reter a receita que, de outra forma, iria para os cofres europeus.

As regras verdes europeias e seus desdobramentos globais

O CBAM é apenas uma parte de um pacote mais amplo de regras ambientais que a Europa está impondo a seus parceiros comerciais. Uma diretiva de desmatamento, por exemplo, exigirá que os exportadores provem que seus produtos não foram cultivados em áreas desmatadas após 2021. Outra regra, a diretiva de sustentabilidade corporativa, forçará as empresas a divulgar as emissões ao longo de suas cadeias de suprimento.

Para os países mais pobres, essas medidas são vistas como um fardo adicional que ameaça minar seus esforços de desenvolvimento industrial. Para os europeus, porém, elas são cruciais para evitar que a descarbonização de suas economias resulte apenas na exportação das emissões para outras partes do mundo.

A transição para uma economia de baixo carbono, embora necessária, carrega consigo complexidades geopolíticas profundas. O Acordo de Paris sobre o clima reconhece que os países ricos têm a responsabilidade de liderar o esforço de descarbonização, mas as regras comerciais emergentes sugerem que essa liderança pode estar sendo repassada, em parte, para as economias emergentes.

Se o objetivo da Europa é evitar que sua transição verde crie distorções globais, precisará encontrar maneiras de apoiar efetivamente os países que estão na linha de frente das novas regras de comércio. Caso contrário, a narrativa de sustentabilidade corre o risco de alimentar ressentimentos e conflitos comerciais, em vez de promover uma transição justa e equilibrada.

Enquanto isso, países como Moçambique se veem encurralados. A fundição de alumínio Mozal foi projetada para ser um motor de crescimento para a economia devastada pela guerra civil, mas agora enfrenta o desafio de se adequar às rigorosas regras de carbono europeias. A grande questão que permanece é: quem pagará o preço pela transição verde global? Se depender do CBAM, os países mais pobres já sabem a resposta.

 

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