
A energia solar acaba de escrever um capítulo inédito na história energética europeia. Pela primeira vez, o fotovoltaico se tornou a principal fonte de eletricidade da União Europeia, atingindo 22,1% da geração total e superando tradicionais pilares como energia nuclear (21,8%) e eólica (15,8%). O marco consolida uma mudança estrutural que redefine a autonomia energética do continente e acelera o fim da era dos combustíveis fósseis.
O feito resulta da combinação explosiva entre capacidade instalada em crescimento acelerado nos últimos anos e condições climáticas excepcionalmente favoráveis no verão europeu. Pelo menos 13 países registraram recordes históricos de geração solar, com destaque para os Países Baixos (40,5%) e Grécia (35,1%), enquanto o desempenho médio do bloco superou todas as projeções mais otimistas.
Colapso histórico do carvão
Paralelamente ao avanço solar, o carvão despencou para seu menor patamar histórico: apenas 6,1% da eletricidade europeia. O resultado representa uma queda vertiginosa que reflete tanto políticas climáticas mais ambiciosas quanto a competitividade crescente das renováveis. Atualmente, dez países da UE operaram completamente sem carvão, incluindo a Irlanda, que encerrou sua última usina termelétrica em 20 de junho.
A mudança vai além dos números: ao deslocar térmicas fósseis durante horários de pico de demanda, quando ar-condicionado e indústria pressionam o sistema, o solar aliviou preços no mercado atacadista e reduziu a volatilidade que caracterizou a crise energética pós-invasão da Ucrânia. Para consumidores e empresas, isso se traduz em contas mais previsíveis e menor exposição a choques de oferta externos.
A transformação ganha contornos simbólicos na Itália, onde a geração fotovoltaica (42,6%) superou pela primeira vez a hidrelétrica (37,5%), invertendo a liderança histórica da energia das águas. O país, tradicionalmente dependente de importações energéticas, viu sua produção solar no primeiro semestre saltar 23% sobre 2024, impulsionada por novas usinas e temperaturas elevadas que aumentaram simultaneamente geração e demanda por refrigeração.
Segundo a operadora de rede Terna, o fenômeno italiano ilustra uma tendência continental: países do sul da Europa emergem como protagonistas da transição solar, aproveitando recursos naturais abundantes para reduzir dependência externa e estabilizar preços domésticos.
O momento histórico, porém, vem acompanhado de sinais amarelos. As instalações solares na UE devem cair 1,4% em 2025, para 64,2 GW, marcando a primeira desaceleração em mais de uma década. A retração resulta principalmente de cortes de subsídios para sistemas residenciais em mercados fundamentais como Alemanha, França e Países Baixos.
Para atingir as metas climáticas de 2030, a Europa precisaria instalar quase 70 GW anuais durante o resto da década. A tendência atual sugere que o bloco pode ficar aquém dos 750 GW necessários, hospedando cerca de 723 GW de capacidade fotovoltaica até o final da década.
A segunda revolução energética
O sucesso do solar expõe também os próximos gargalos da transição. O aumento compensatório da geração a gás na primeira metade de 2025 foi parcialmente explicado por menores níveis de produção hidrelétrica e eólica, com a participação da hidrelétrica caindo para 12,5% devido à seca prolongada.
A demanda por eletricidade mantém trajetória ascendente: a UE consumiu 1.313 TWh no primeiro semestre, alta de 2,2% sobre 2024. Cinco dos primeiros seis meses registraram consumo maior que o mesmo período do ano anterior, refletindo eletrificação acelerada de transportes, aquecimento e processos industriais.
Especialistas apontam que a próxima vitória depende de três frentes críticas: expansão massiva do armazenamento em baterias, desenvolvimento de redes inteligentes e implementação de sistemas de gestão flexível da demanda. Sem esses elementos, gás natural e outras fontes despacháveis continuarão definindo preços durante períodos sem sol, limitando os benefícios plenos da revolução solar.