
Acordos entre países muitas vezes são movimentos de pragmatismo. O novo tratado firmado entre União Europeia e Reino Unido, anunciado nesta semana, carrega esse peso: não reverte o Brexit, mas tenta mitigar seus efeitos mais corrosivos sobre comércio, segurança e diplomacia. Em meio a uma conjuntura internacional marcada por tensões geopolíticas e reconfigurações de alianças, o pacto representa a tentativa mais concreta de reconstrução institucional desde a ruptura formal entre Londres e Bruxelas, em 2020.
O acordo inclui cláusulas comerciais, de defesa, mobilidade e meio ambiente. Na prática, corrige distorções provocadas pela saída britânica do bloco, com foco em simplificar trocas econômicas, reforçar a cooperação em segurança e ampliar a integração de jovens entre 18 e 30 anos. Ao mesmo tempo, não altera pilares como a união aduaneira ou o mercado único — redutos que Londres continua evitando por razões políticas internas.
Um pacto de conveniência em tempos de instabilidade
A assinatura do acordo acontece num momento de reposicionamento estratégico da Europa, diante do enfraquecimento de laços transatlânticos durante a presidência de Donald Trump e da intensificação das ameaças externas, como a guerra da Rússia na Ucrânia e a crescente assertividade chinesa em mercados globais. A perspectiva de um eventual retorno de Trump à Casa Branca em 2025 adiciona urgência às conversas europeias sobre autonomia e coordenação em defesa e comércio.
Sob essa ótica, a reaproximação entre Reino Unido e União Europeia não é apenas uma solução econômica: trata-se de um reposicionamento pragmático diante da nova ordem global. A participação de empresas britânicas no fundo europeu de defesa, estimado em €150 bilhões, é vista como simbólica e estratégica. Também ganha destaque a integração em áreas sensíveis como segurança cibernética e espacial.
No front econômico, o novo tratado sanitário reduz a burocracia para circulação de alimentos e bebidas, uma área que sofreu severos impactos com a saída britânica. A continuidade do acesso mútuo às águas para a pesca até 2038 foi negociada como gesto de estabilidade — embora tenha provocado críticas de grupos conservadores no Reino Unido, que veem a concessão como uma “ressurreição parcial” da subordinação regulatória à UE.
As reações foram divididas. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, definiu o acordo como “bom para empregos, para as contas públicas e para nossas fronteiras”. Já setores nacionalistas e eurocéticos acusaram o governo de fazer concessões excessivas, especialmente no tema da pesca e na reintegração ao programa Erasmus — antigo símbolo de integração europeia entre estudantes.
O novo tratado reforça um modelo de relacionamento “à la carte” que pode servir de inspiração para outros países em fricção com o bloco, como a Hungria ou a Turquia. Ainda assim, permanece o dilema britânico: como exercer influência na Europa estando fora de suas principais engrenagens?
O pacto de 2025 não responde a essa pergunta, mas sinaliza que Reino Unido e União Europeia estão dispostos a conversar — com pragmatismo, cautela e interesses bem delimitados. Em tempos de guerra às portas do continente e rearranjos globais acelerados, esse gesto, ainda que modesto, representa mais do que um tratado: é um passo político.