
A Europa está prestes a viver uma transformação histórica em sua política de segurança. Diante da crescente instabilidade global e da perda de confiança no compromisso incondicional dos Estados Unidos com seus aliados, os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) aprovaram uma nova diretriz que eleva significativamente os gastos com defesa. A decisão, anunciada durante a cúpula da aliança em Haia, estabelece que os países-membros devem destinar até 5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) à área militar até 2035 — mais do que o dobro da meta vigente de 2%, em vigor desde 2014.
A proposta, apresentada pelo secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, foi aprovada por consenso e inclui marcos intermediários a cada cinco anos. Do total, 3,5% deverão ser aplicados em despesas militares diretas, como pessoal, armamentos e manutenção; os 1,5% restantes podem ser utilizados em infraestrutura de apoio à defesa, como portos, estradas, aeroportos e sistemas de cibersegurança. Atualmente, apenas 11 dos 32 membros da aliança cumprem a meta anterior. Para Stoltenberg, o novo compromisso é “necessário e realista”, refletindo os desafios colocados pela atual conjuntura internacional.
A guinada europeia ocorre em meio a um cenário marcado por incertezas sobre o papel dos EUA na OTAN, especialmente após reiteradas declarações do presidente Donald Trump colocando em dúvida o princípio da defesa mútua previsto no artigo 5º do tratado. Nas últimas semanas, tensões se agravaram com relatos de interferência norte-americana em eleições europeias, cortes na ajuda à Ucrânia e até ameaças de anexação territorial a países aliados. Conversas vazadas entre membros do governo americano revelaram descrédito com os aliados europeus e a percepção de que estes “se aproveitam” da máquina militar americana sem contrapartida proporcional.
Na prática, a nova meta de 5% exigirá um esforço fiscal sem precedentes, em um momento de recuperação lenta da economia europeia e pressões sobre os gastos sociais. Países como Polônia, Estônia e Letônia já estão próximos ou acima do novo patamar, por estarem na linha de frente das ameaças russas. Outros, como Itália, Portugal, Espanha e Bélgica, ainda nem alcançaram os 2% estabelecidos em 2014. A França, com déficit de 5,8% do PIB, e a Itália, com dívida superior a 130% do PIB, também terão dificuldades de cumprir a meta sem cortes drásticos ou aumento de receitas.
Ainda assim, o investimento em defesa é visto por alguns governos como um estímulo possível à economia. O novo primeiro-ministro alemão, Friedrich Merz, anunciou planos de acelerar os gastos públicos para tirar a Alemanha da estagnação, com boa parte desse pacote voltado à indústria militar.
O que está em jogo vai além da proteção física do continente. Para a Europa se firmar como ator geopolítico relevante em meio à disputa entre China e EUA, a capacidade de se defender — e de projetar poder — passa a ser condição indispensável. O aumento dos gastos com defesa não é apenas uma resposta à guerra na Ucrânia ou às tensões com Washington. É, acima de tudo, um divisor de águas sobre o que significa soberania e segurança em um mundo em rápida transformação.