
A Europa está prestes a virar uma página de sua história migratória. A partir de 12 de outubro, alguns países europeus começarão a substituir o carimbo no passaporte por um sistema eletrônico, em mudança que será implementada de forma gradual e deve ser concluída até 9 de abril de 2026. Até lá, ainda será possível obter o selo manual. A novidade será adotada por 29 países europeus, entre eles Portugal, França e Espanha, mas o Reino Unido não participará. O Sistema de Entrada/Saída (EES) surge em momento paradoxal: o continente enfrenta uma crise sem precedentes de overtourism, com protestos e medidas restritivas se espalhando pelas principais capitais.
O EES funcionará através da coleta de dados biométricos (impressões digitais e reconhecimento facial) de todos os visitantes não europeus, substituindo o carimbo manual por um sistema automatizado que registra dados completos de entrada e saída. Para as autoridades europeias, a digitalização representa ferramenta essencial para gerir melhor os fluxos turísticos e combater permanências irregulares.
A implementação seguirá cronograma estratégico durante seis meses, com campanhas informativas nas áreas fronteiriças. Essa abordagem gradual reconhece não apenas a complexidade logística de transformar centenas de pontos fronteiriços, mas também a necessidade de evitar colapsos operacionais em aeroportos já saturados pelo volume recorde de passageiros.
A ausência britânica do sistema ilustra as complexidades geopolíticas contemporâneas. Enquanto 29 países europeus, incluindo não membros da UE como Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça, adotam o EES, o Reino Unido desenvolve paralelamente seu próprio sistema fronteiriço digital. A divergência evidencia como as escolhas tecnológicas espelham as novas realidades políticas europeias.
Para viajantes brasileiros, a transição será transparente financeiramente (o EES não cobra taxas), mas pode gerar inconvenientes iniciais. A coleta de dados biométricos na primeira travessia demandará mais tempo que o tradicional carimbo, com a União Europeia antecipando congestionamentos em aeroportos de alta circulação como Madrid, Charles de Gaulle e Frankfurt, locais que já enfrentam pressões operacionais devido ao volume recorde de passageiros.
O EES pavimenta caminho para transformação ainda mais significativa: o Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagens (ETIAS), previsto para o final de 2026. O ETIAS introduzirá taxa de 20 euros para brasileiros e outros viajantes atualmente isentos de visto, transformando o acesso gratuito ao espaço Schengen em sistema pago de autorização prévia.
Essa mudança representa alteração fundamental na filosofia de mobilidade europeia. Enquanto tradicionalmente a Europa posicionou se como destino acessível para turistas brasileiros, o novo modelo aproxima se do sistema americano ESTA, sinalizando movimento em direção à monetização controlada dos fluxos migratórios temporários.
Para os milhões de viajantes que cruzam anualmente as fronteiras europeias, os próximos meses determinarão se essa revolução digital se traduzirá em experiência mais fluida ou em nova camada de complexidade burocrática. A resposta dependerá não apenas da eficiência técnica do sistema, mas da capacidade europeia de reconciliar sua tradicional vocação hospitaleira com as realidades de um continente que, pela primeira vez em décadas, questiona se ainda deseja crescer como destino turístico.