
Enquanto o discurso político europeu se concentra em reverter políticas climáticas para reduzir custos energéticos, os dados revelam uma realidade diferente: a Europa domina o mercado global de bombas de calor e está construindo a infraestrutura para descarbonizar cidades e indústrias inteiras.
A região fabrica mais de 60% das bombas de calor instaladas em seu território, segundo a Associação Europeia de Bombas de Calor (EHPA), e empresas como Vaillant, Bosch, Viessmann, Danfoss e NIBE lideram o setor globalmente. Ao contrário da indústria de painéis solares, que migrou para a Ásia, a Europa manteve a cadeia produtiva de bombas de calor em seu território, embora ainda dependa de importações de compressores e componentes eletrônicos.
A narrativa equivocada sobre a crise energética
Grande parte do debate público atribui a perda de competitividade industrial europeia às políticas climáticas. Jan Rosenow, professor de energia em Oxford, contesta essa narrativa no site EUObserver: a verdadeira causa do encarecimento foi a substituição do gás russo barato pelo gás natural liquefeito americano, muito mais caro, após 2021.
O relatório da Ember quantifica o impacto: a Europa pagou 930 bilhões de euros adicionais durante a crise energética devido à dependência de combustíveis fósseis importados. As 25,5 milhões de bombas de calor atualmente instaladas em 19 países europeus estão evitando importações de 21 bilhões de metros cúbicos de gás por ano, gerando uma economia estimada de 5,4 bilhões de euros anuais.
Os números de adoção residencial revelam disparidades marcantes. A Noruega lidera com 632 bombas de calor por mil residências, seguida pela Finlândia com 524. No primeiro semestre de 2025, as vendas aumentaram 9% em comparação com o mesmo período de 2024, sinalizando uma recuperação após quedas consecutivas em 2023 e 2024.
A escala industrial é ainda mais impressionante. A MAN Energy Solutions instala bombas de calor de 10 a 150 megawatts para aquecimento urbano e processos industriais. A Siemens Energy fornece unidades de alta temperatura com potência térmica de até 70 megawatts. Helsinque está construindo a maior bomba de calor ar-água do planeta, com capacidade entre 20 e 33 megawatts.
A BASF opera a maior bomba de calor industrial do mundo. No setor de confeitaria, a fábrica da Mars na Holanda utiliza bombas de calor que aproveitam o calor residual da refrigeração, economizando o equivalente ao consumo anual de energia de 625 residências europeias.
Apesar da liderança tecnológica, quatro obstáculos principais limitam a adoção mais ampla:
- Distorção de preços: O gás continua a definir o preço marginal da eletricidade em grande parte da Europa Central. Mesmo quando as energias renováveis reduzem custos, o gás eleva os preços nos horários de pico, criando um paradoxo onde a tecnologia mais eficiente parece economicamente desfavorável.
- Estrutura tributária: A maioria dos países europeus cobra impostos mais altos sobre eletricidade do que sobre gás, penalizando soluções limpas e subsidiando combustíveis fósseis.
- Escassez de mão de obra qualificada: A Comissão Europeia estima que serão necessários 750 mil instaladores adicionais até 2030. A empresa alemã Apricum observa que a experiência de instalação permanece complexa e fragmentada.
- Resistência cultural: Como explica Rosenow, a maioria das indústrias está habituada a queimar combustíveis. O fogo é percebido como seguro e familiar, mesmo sendo mais caro e ineficiente. Essa barreira, contudo, já foi superada nos países nórdicos, que utilizam bombas de calor em larga escala mesmo em temperaturas abaixo de zero.
A implementação do sistema de comércio de emissões para edifícios e transporte (ETS2) a partir de 2027 aumentará progressivamente o preço do gás fóssil. O Fundo Social para o Clima fornecerá 65 bilhões de euros para acelerar a implantação de bombas de calor, especialmente para residências vulneráveis.
A Comissão Europeia estabeleceu como meta atingir 60 milhões de bombas de calor instaladas até 2030, contra os 25,5 milhões atuais. Para isso, lançou em janeiro de 2025 a Plataforma Aceleradora de Bombas de Calor, reunindo fabricantes, instaladores e formuladores de políticas.
O relatório Ember projeta que a eletrificação, apoiada principalmente por bombas de calor, poderá reduzir pela metade a dependência da União Europeia de combustíveis fósseis até 2040. Atualmente, apenas 22% da energia final da UE é eletrificada, revelando um potencial para triplicar essa proporção nos próximos anos.
O caminho à frente
Enquanto alguns em Bruxelas debatem desacelerar o Pacto Ecológico Europeu, a indústria e os engenheiros europeus indicam o caminho oposto. A Europa possui a tecnologia, a capacidade produtiva e a experiência de implementação para liderar a transição energética global.
O paradoxo europeu reside na desconexão entre o debate político e a realidade industrial: a região que questiona suas próprias políticas climáticas é a mesma que constrói as máquinas que podem descarbonizar economias inteiras. A questão não é mais tecnológica, mas de coordenação política e reforma estrutural dos mercados de energia.





