
As edificações europeias, responsáveis por cerca de 40% do consumo de energia no continente, estão no centro de uma transformação estrutural que visa cumprir o compromisso de neutralidade climática até 2050. Com regulamentações cada vez mais rigorosas e um mercado de construção verde avaliado em US$ 181,55 bilhões em 2024, a União Europeia enfrenta o desafio de reformar um parque imobiliário envelhecido enquanto tenta equilibrar ambições climáticas com viabilidade econômica.
A urgência dessa transição fica evidente nos números: 85% dos edifícios no bloco foram construídos antes de 2000 e 75% apresentam baixo desempenho energético. A partir de 2030, todas as novas construções deverão atender ao padrão de Edifícios com Necessidades Quase Nulas de Energia (nZEB, na sigla em inglês), o que exigirá máxima eficiência térmica, consumo energético mínimo e funcionamento baseado em energias renováveis.
Mercado em expansão, mas com obstáculos
A Olla Home Solution, empresa de construção da Toscana especializada em edificações ecológicas, exemplifica o potencial de crescimento desse setor. Fundada durante a pandemia, a companhia registrou aumento superior a 400% na receita entre 2020 e 2023, tornando-se uma das empresas europeias de crescimento mais rápido em 2025.
“Queríamos oferecer um serviço complementar em um mercado que estava em expansão, mas também repleto de lacunas”, explica o fundador e presidente Samuel Olla. “Não havia ninguém que oferecesse um serviço verdadeiramente completo.” A decisão estratégica de cuidar das formalidades administrativas, com foco no polêmico programa Superbonus do governo italiano, revelou-se fundamental para o sucesso da empresa.
O Superbonus italiano, introduzido em 2020 como estímulo econômico pós-pandemia, ofereceu inicialmente créditos fiscais de até 110% dos gastos com reformas voltadas à eficiência energética e resistência sísmica. O programa impulsionou o setor, mas a um custo elevado: o impacto fiscal alcançou aproximadamente 1%, 3% e 4% do PIB italiano em 2021, 2022 e 2023, respectivamente.
As consequências não foram apenas orçamentárias. Segundo análise do Banco Central Europeu (CEPR), o programa contribuiu significativamente para o aumento dos custos de construção no país, com preços de andaimes subindo mais de 400% até o final de 2021. O ex-primeiro-ministro Mario Draghi observou que o incentivo de 110% “eliminou o incentivo para negociar preços”, triplicando o custo de melhorias de eficiência.
Diante do estouro fiscal, o governo italiano reduziu progressivamente os benefícios: de 110% para 90% em 2023, 70% em 2024 e 65% em 2025. A transferência de créditos fiscais, que facilitava o acesso ao programa, foi praticamente eliminada. “Era um mercado extremamente complicado”, acrescenta Olla. “Em apenas três anos, houve cerca de 90 alterações regulatórias.”
A Diretiva de Desempenho Energético de Edifícios (EPBD, na sigla em inglês), revisada e aprovada em 2024, estabelece metas ambiciosas. A legislação entrou em vigor em maio de 2024 e os Estados-membros têm até maio de 2026 para transpô-la para as leis nacionais.
Entre as exigências, os países devem apresentar Planos Nacionais de Renovação de Edifícios a cada cinco anos, incluindo panoramas detalhados do estoque imobiliário nacional, taxas anuais de renovação e roteiros para 2030, 2040 e 2050. A meta da União Europeia é reduzir o consumo de energia em 11,7% até 2030, em comparação com as projeções de 2020 para aquele ano.
Algumas nações já avançam em ritmo próprio. O Reino Unido lançou em setembro de 2024 um padrão piloto para edifícios com carbono líquido zero, abrangendo tanto as emissões incorporadas quanto operacionais. Cidades como Amsterdã, Copenhague e Berlim desenvolvem bairros ecológicos certificados, combinando energia renovável, transporte sustentável e arquitetura verde.
Mas nem todos os avanços são lineares. Alguns Estados-membros resistem às regulamentações devido ao tamanho imenso do inventário de edifícios que precisaria ser adaptado até 2030. A taxa anual de renovação energética permanece baixa, em apenas 1%, muito aquém da meta de dobrar esse percentual até o final da década.
Tecnologias que transformam o setor
A integração de tecnologias inteligentes está redefinindo a gestão de edifícios verdes. Sistemas de Internet das Coisas (IoT) e inteligência artificial permitem otimização automática do consumo energético, com redução de até 25% no gasto de energia e 20% em custos de manutenção, segundo dados do setor.
Essas tecnologias incluem automação baseada em ocupação, que ajusta iluminação e climatização conforme a presença de pessoas, manutenção preditiva por meio de algoritmos de IA e monitoramento em tempo real da qualidade do ar interno. Em 2024, mais de 40% dos novos edifícios comerciais na Europa Ocidental incorporaram sistemas de automação para iluminação, climatização e segurança.
O mercado europeu de construção verde deve crescer de US$ 181,55 bilhões em 2024 para US$ 462,53 bilhões em 2033, com taxa anual de crescimento de 10,95%, impulsionado por regulamentações ambientais rigorosas, aumento dos preços de energia e maior conscientização sobre práticas de construção sustentável.
A experiência italiana oferece lições importantes. Embora o Superbonus tenha facilitado 495.717 renovações energéticas até maio de 2024, representando cerca de 5% do estoque habitacional do país, pesquisadores do Banco da Itália concluíram que os benefícios econômicos foram inferiores aos custos incorridos.
O programa criou pelo menos 410.000 novos empregos no setor de construção e 224.000 em setores fornecedores relacionados, mas o impacto na dívida foi severo. A relação déficit/PIB da Itália atingiu 8,6% em 2022, antes de cair para 7,4% em 2023. A dívida bruta em relação ao PIB alcançou 137,3% em 2023, muito acima da média da zona do euro de 88,6%.
A experiência demonstra que investimentos na transição energética são essenciais, especialmente diante do histórico subinvestimento na área, mas precisam ser mais abrangentes e equilibrados. Governos não devem apenas incentivar tecnologias de baixo carbono e eficiência energética, mas também priorizar a modernização da rede elétrica e infraestrutura para acomodar a demanda crescente.
As emissões de gases de efeito estufa de edifícios na União Europeia caíram 43% entre 2005 e 2023, impulsionadas por padrões mais elevados de eficiência energética em novas construções, melhorias em edifícios existentes, descarbonização da eletricidade e sistemas de aquecimento, além de temperaturas mais amenas. As estimativas para 2024 indicam outra redução modesta nas emissões.
A transição está em andamento, mas o prazo de 2030 se aproxima rapidamente. Com três quartos dos edifícios europeus apresentando baixo desempenho energético e apenas 1% sendo renovados anualmente, o continente enfrenta uma corrida contra o tempo para transformar seu parque imobiliário e cumprir suas ambições climáticas.






