EUA e Reino Unido avançam em acordo comercial com foco em reindustrialização e alinhamento estratégico

14 de maio de 2025 4 minutos
shutterstock

O novo acordo comercial firmado entre Estados Unidos e Reino Unido, anunciado em 8 de maio, marca um avanço importante nas relações econômicas bilaterais no cenário pós-Brexit. Embora o pacto não configure um tratado de livre comércio tradicional, ele simboliza um passo concreto rumo a uma nova fase de cooperação entre as duas potências, focada menos em volume de trocas e mais em setores estratégicos e cadeias críticas.

Batizado de “Parceria Econômica Atlântica” (Atlantic Economic Partnership), o acordo cobre temas como acesso preferencial para exportações britânicas de veículos e aço, alinhamento regulatório em setores industriais, além de cooperação tecnológica em áreas sensíveis como semicondutores e inteligência artificial. O Reino Unido, por sua vez, aceitou flexibilizar o acesso de produtos agrícolas norte-americanos e alinhar tarifas sobre aço e alumínio às práticas comerciais dos EUA.

A iniciativa surge em um momento no qual o Reino Unido busca ampliar sua relevância global como parceiro comercial, após anos de dificuldades para fechar acordos de peso desde a saída da União Europeia. Desde 2020, o Reino Unido assinou mais de 70 acordos comerciais bilaterais, mas nenhum com o mesmo peso simbólico e político de um pacto com os Estados Unidos. Já para os americanos, o novo acordo reforça a estratégia de reconstruir alianças econômicas em torno de objetivos industriais e tecnológicos, em contraste com o multilateralismo que dominou a cena global nas décadas anteriores.

Um dos pontos centrais do acordo é a isenção de tarifas para até 100 mil veículos britânicos exportados anualmente aos Estados Unidos — medida que representa cerca de 40% do volume de exportações automobilísticas do Reino Unido para o mercado americano em 2023. Segundo a Society of Motor Manufacturers and Traders (SMMT), os EUA foram o segundo maior destino de veículos britânicos no ano passado, atrás apenas da União Europeia. O benefício direto alcança montadoras como Nissan (com fábrica em Sunderland), Mini (BMW Group) e Jaguar Land Rover.

Em contrapartida, a abertura do mercado britânico a produtos agrícolas dos EUA, como carne bovina e etanol, representa um gesto relevante de flexibilização regulatória — historicamente barrada por regras da UE sobre hormônios e aditivos alimentares. O setor agrícola britânico, que representa 0,6% do PIB, teme que o pacto aumente a pressão sobre pequenos produtores nacionais já afetados por custos crescentes de energia e transporte.

Apesar do tom positivo das autoridades dos dois países, economistas destacam que o acordo tem alcance limitado. Ficam de fora temas estruturais como serviços financeiros, que representam quase 80% da economia britânica, e barreiras técnicas amplas ao comércio digital. Ainda assim, a sinalização política é clara: Reino Unido e Estados Unidos estão tentando construir um novo tipo de parceria, com foco em resiliência industrial, inovação tecnológica e segurança de suprimentos.

De acordo com dados do Office for National Statistics (ONS), o comércio bilateral entre os dois países movimentou cerca de US$ 290 bilhões em 2023. Os EUA são hoje o maior parceiro individual de exportação do Reino Unido, absorvendo 14,9% de todas as exportações britânicas, enquanto o Reino Unido representa cerca de 2,3% das exportações totais dos EUA. Ou seja, o impacto macroeconômico do acordo será modesto no curto prazo, mas relevante do ponto de vista geoestratégico.

A reação da China ao anúncio foi imediata. O Ministério do Comércio chinês afirmou que o pacto “fragmenta cadeias globais de suprimento” e criticou cláusulas que poderiam excluir fornecedores chineses de mercados britânicos em setores considerados críticos. O alerta é consistente com o crescente incômodo de Pequim diante da adoção, por países do G7, de políticas de friend-shoring — termo utilizado para descrever a reconfiguração de cadeias produtivas em direção a países aliados.

No Reino Unido, o acordo é recebido como uma vitória política pelo governo de Keir Starmer, que tenta reposicionar o país como um parceiro confiável no cenário internacional após os anos turbulentos do Brexit. Mas críticos apontam que, sem um aumento expressivo no volume de comércio ou benefícios tangíveis para pequenas empresas, o pacto corre o risco de ser mais simbólico do que transformador.

No fim, o acordo EUA-Reino Unido reflete uma nova abordagem para o comércio internacional em tempos de transição geoeconômica: menos tarifas, mais política industrial. Em um mundo cada vez mais fragmentado, onde cadeias de valor são redesenhadas sob o peso de rivalidades estratégicas, acordos como esse deixam claro que o comércio exterior deixou de ser apenas uma questão de eficiência — e passou a ser, também, uma questão de poder.

 

Europeanway

Busca