Enquanto todos olhavam para a UE, Mercosul discretamente costurava acordo de livre comércio com bloco EFTA

02 de julho de 2025 5 minutos
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Sempre presente no noticiário e em debates públicos, o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia assinado em dezembro últimos pelos países sul-americanos e a Comissão Europeia liderada por Ursula von der Leyen, segue firme em sua jornada de ratificação. Está agora perto de ser submetido ao Conselho Europeu para depois seguir em busca de aprovação no Parlamento Europeu – assunto acompanhado de perto por European Way.

Enquanto isso, outro tratado de rito menos noticiado e mais silencioso, acaba de ser concluído. Trata-se do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a EFTA (European Free Trade Association), bloco formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. Esses países, embora bastante integrados ao ecossistema de negócios do continente, não são membros da União Europeia.

As negociações, que corriam paralelamente ao processo Mercosul-UE, ganharam impulso após a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. A adoção de medidas protecionistas pelo governo norte-americano acelerou o processo a partir da percepção dos quatro países da EFTA acerca da necessidade de buscarem novas frentes de integração econômica e diversificar suas relações comerciais.

O acordo foi inicialmente anunciado em 2019, mas, à semelhança do que ocorreu com o pacto com a União Europeia, os países europeus recuaram e passaram a exigir compromissos ambientais mais robustos, especialmente diante do aumento do desmatamento no Brasil durante a gestão de Jair Bolsonaro. Com a mudança de governo e a retomada de uma agenda climática mais ativa, o ambiente político se tornou mais favorável permitindo a retomada das negociações.

A declaração conjunta divulgada pelas duas partes durante a cúpula do Mercosul em Buenos Aires nesta terça-feira confirma a conclusão do acordo. Segundo o documento, o tratado criará uma zona de livre comércio com quase 300 milhões de pessoas e um PIB combinado superior a US$ 4,3 trilhões. A previsão é de que mais de 97% das exportações entre os dois blocos passem a ter acesso preferencial, com eliminação ou redução gradual de tarifas em até 15 anos.

Site oficial do EFTA anunciando acordo com o Mercosul

Site oficial do EFTA anunciando acordo com o Mercosul

Um tratado mais técnico — e menos politizado

Diferente do acordo com a União Europeia, impactado por entraves ambientais e resistências políticas em países como França e Polônia, o pacto com a EFTA avançou de forma técnica e pragmática. Todos os quatro países do bloco europeu são favoráveis à conclusão do tratado. “É uma negociação muito mais simples”, observou uma fonte diplomática envolvida nas conversas.

O vice-presidente da Suíça, Guy Parmelin, responsável pelas negociações comerciais do EFTA, esteve presente em Buenos Aires para o anúncio. A assinatura formal, no entanto, ainda deve ocorrer nos próximos meses, após a ratificação do texto pelos parlamentos dos países envolvidos em ambos os lados do Atlântico.

O acordo cobre temas como comércio de bens e serviços, compras governamentais, barreiras técnicas, propriedade intelectual e desenvolvimento sustentável. Entre os setores beneficiados estão os de máquinas, produtos químicos, pescados, alimentos processados, laticínios e vinhos, além de carne e café, que terão tratamento tarifário específico.

Para o Mercosul, o acordo representa um avanço tangível em sua política de inserção internacional. Em um momento em que o comércio global enfrenta tensões geopolíticas, disrupções logísticas e menor previsibilidade multilateral, a conclusão de acordos regionais com blocos estratégicos passa a ser uma via mais viável de internacionalização.

Além disso, a retomada de protagonismo do Brasil na agenda ambiental e diplomática facilitou a retomada de confiança por parte dos países europeus. O tratado com o EFTA, ao mesmo tempo em que não substitui a relevância do acordo com a União Europeia, permite ao Mercosul demonstrar capacidade de articulação e pragmatismo comercial.

No plano econômico, os efeitos esperados envolvem aumento do fluxo de comércio, diversificação de mercados e maior previsibilidade para investidores e exportadores. No plano geopolítico, o tratado reforça os vínculos entre América do Sul e Europa continental fora do eixo tradicional UE, abrindo margem para cooperações técnicas, regulatórias e até ambientais em outras frentes multilaterais.

Com a conclusão formal das negociações, os próximos meses serão dedicados à tramitação legislativa. A expectativa é que o tratado seja assinado ainda em 2025, durante a presidência rotativa do Brasil no Mercosul, e entre em vigor após a aprovação nos parlamentos nacionais.

Em um cenário global de rearranjos estratégicos e redefinição de alianças, o acordo Mercosul–EFTA representa um movimento firme de aproximação entre regiões que compartilham valores democráticos, estabilidade institucional e o desejo comum de ampliar laços comerciais sem perder de vista os compromissos com o desenvolvimento sustentável.

 

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