Economia da Europa pode voltar a rivalizar com os EUA?

16 de setembro de 2024 6 minutos
Europeanway

A Europa, que já chegou a ser um motor global de inovação e crescimento econômico, enfrenta agora dilemas significativos naquele campo.

Enquanto os Estados Unidos seguem resilientes, impulsionados por uma economia digital crescente, a Europa se encontra em uma encruzilhada. A pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia tornaram ainda mais amplas as diferenças do vigor entre aquelas duas geografias.

A pergunta que paira no ar é: o continente pode voltar a rivalizar com os EUA, espelhando de alguma forma o que no final do século 20 um então jovem consórcio europeu Airbus começou a ensaiar em relação a uma então imbatível Boeing?

Segundo o jornal Financial Times, a resposta, para muitos especialistas, é complexa. A economia europeia, apesar de seus avanços em áreas como a transição verde e a integração do mercado único, tem lutado para acompanhar o dinamismo tecnológico e o investimento robusto dos EUA.

Enquanto os Estados Unidos aproveitam os ganhos de produtividade trazidos por tecnologias emergentes, como IA e computação em nuvem, a Europa ainda hesita em adotar essas inovações de maneira ampla. O uso de IA, por exemplo, poderia resolver muitos dos problemas estruturais da economia europeia, como a escassez de mão de obra e a baixa produtividade. Ralph Haupter, da Microsoft, estima que a IA poderia aumentar a produtividade dos programadores em até 45%, um ganho significativo para uma economia que sofre com uma base produtiva estagnada.

A discrepância entre as trajetórias econômicas de EUA e Europa se intensificou nos últimos anos. Enquanto o PIB dos Estados Unidos aumentou 8,7% em relação aos níveis pré-pandemia, a zona do euro registrou apenas 3,4%. A economia do Reino Unido, por sua vez, teve um crescimento ainda mais tímido, de 1,7%. A recuperação mais rápida dos EUA é creditada, em parte, à sua flexibilidade regulatória e à sua capacidade de atrair capital, especialmente em setores de alta tecnologia. Além disso, os pacotes de estímulo fiscal americanos, substanciais durante e após a pandemia, ajudaram a manter o consumo e a inovação em níveis elevados.

Em contraste, a Europa, com altos custos de energia e políticas fiscais mais restritivas (além de uma enorme dificuldade em qualquer flexibilização relativa a legislações trabalhistas), tem visto suas empresas, especialmente nos setores de energia verde e semicondutores, migrarem para os EUA, atraídas por subsídios generosos oferecidos pelo governo americano. Essa fuga de empresas e investimentos coloca uma pressão adicional sobre a economia europeia, que já enfrenta um crescimento lento e uma base industrial em declínio.

A falta de investimento em setores-chave, como tecnologia e inovação, tem sido um dos principais obstáculos para o crescimento europeu. A zona do euro, segundo o economista Jason Furman, da Universidade de Harvard, perdeu cerca de 20% de produtividade em relação aos EUA desde meados da década de 1990. Essa lacuna de produtividade, afirma Furman, reflete a incapacidade da Europa de explorar totalmente os benefícios das novas tecnologias.

O impacto demográfico e as limitações estruturais

Outro desafio crucial para a economia europeia é a sua demografia. Com uma população envelhecida e uma baixa taxa de natalidade, muitos países da UE enfrentam uma crescente escassez de mão de obra. Até 2050, projeta-se que haverá menos de dois trabalhadores em idade ativa para cada pessoa com mais de 65 anos na UE, uma proporção significativamente inferior à dos EUA, onde a população deve envelhecer de forma mais gradual.

As tentativas de manter os trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho e de aumentar a participação das mulheres na força de trabalho têm sido insuficientes para mitigar esse impacto. Além disso, políticas de trabalho mais flexíveis na Europa, como a redução da semana de trabalho na Alemanha, podem exacerbar a escassez de mão de obra. Enquanto os trabalhadores europeus continuam a optar por um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal, os EUA mantêm uma força de trabalho mais estável, aumentando a produtividade geral.

A questão demográfica também agrava os problemas de investimento da Europa. As empresas europeias, especialmente as menores, enfrentam dificuldades para acompanhar os investimentos de suas contrapartes americanas em setores de alta tecnologia. Dados da consultoria McKinsey mostram que as maiores empresas públicas europeias investiram US$ 400 bilhões a menos do que as empresas americanas em 2022. O resultado é uma economia europeia que, apesar de sua excelência industrial, está mal preparada para enfrentar a “disrupção tecnológica massiva” que, como aponta Jan Mischke, da McKinsey, está transformando o mundo.

Existe uma saída?

A resposta para o futuro econômico da Europa reside em sua capacidade de inovar e de se integrar mais profundamente, tanto internamente quanto externamente. Mario Draghi, ex-primeiro-ministro da Itália e ex-presidente do BCE, foi encarregado de encontrar formas de aumentar a competitividade do bloco. Ele defende uma maior integração dos mercados de capitais europeus e um financiamento centralizado mais robusto para áreas como defesa e tecnologia. Sem essas reformas estratégicas e coordenadas, é provável que mais indústrias europeias fechem suas portas ou transfiram suas operações para fora do continente.

Ainda assim, há quem argumente que os Estados Unidos também enfrentam desafios. O ritmo de crescimento impulsionado por políticas fiscais expansionistas pode não ser sustentável a longo prazo. O déficit orçamentário americano, projetado para permanecer em torno de 6% ao ano na próxima década, levanta questões sobre a viabilidade dessa trajetória. No entanto, no curto prazo, o impulso econômico dos EUA, sustentado por imigração e inovação tecnológica, parece estar superando as dificuldades de longo prazo.

Para a Europa, o caminho para rivalizar novamente com os EUA exige um compromisso renovado com a inovação, investimento em tecnologia e uma abordagem ousada para enfrentar os desafios demográficos e estruturais. A adoção de tecnologias como a IA e a melhoria da produtividade são cruciais para que o continente volte a ser competitivo no cenário global.

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