
A Dinamarca está prestes a implementar uma das mais inovadoras respostas legislativas à crescente ameaça dos deepfakes: conceder direitos autorais aos cidadãos sobre suas próprias características físicas, incluindo rosto, voz e corpo. O projeto, que conta com apoio de todos os principais partidos políticos, representa uma mudança paradigmática no combate ao conteúdo sintético não consensual.
A proposta dinamarquesa surge em um momento crítico para a Europa, onde a proliferação de deepfakes tem gerado preocupações crescentes sobre desinformação, fraude e violação de privacidade. Segundo o ministro da Cultura dinamarquês, Jakob Engel-Schmidt, a legislação permitirá que pessoas que tiveram suas características usadas para criar deepfakes possam exigir a remoção do conteúdo das plataformas digitais.
O contexto europeu revela uma abordagem fragmentada ao problema. Enquanto a União Europeia classifica deepfakes como “risco limitado” sob seu AI Act, exigindo apenas transparência e rotulagem, a França adotou em 2024 uma abordagem mais restritiva, criminalizando a distribuição de conteúdo visual ou audiovisual criado por IA sem consentimento, com penas de até um ano de prisão e multas de €15.000.
O Reino Unido, por sua vez, focou especificamente na pornografia deepfake, estabelecendo sentenças de até dois anos de prisão sob o Sexual Offenses Act. Contudo, como observa a professora Julia Hörnle, da Queen Mary University, a legislação britânica não criminaliza diretamente a criação de deepfakes, deixando as vítimas vulneráveis mesmo quando o conteúdo não é compartilhado publicamente.
A iniciativa dinamarquesa diferencia-se ao utilizar o direito autoral como ferramenta de proteção, uma abordagem que, segundo especialistas, pode oferecer maior acessibilidade legal às vítimas. Sob a estrutura revisada de direitos autorais, os cidadãos dinamarqueses ganhariam autoridade legal para solicitar a remoção de conteúdo não consensual de plataformas digitais.
O impacto econômico dos deepfakes tornou-se uma preocupação crescente. Segundo o estudo FSI Predictions 2024 do Deloitte Center for Financial Services, estima-se que as fraudes causadas por essa e demais tecnologias baseadas em IA atinjam US$ 40 bilhões até 2027 apenas nos Estados Unidos. O setor financeiro enfrentou um desafio sem precedentes com um aumento de 31 vezes nas tentativas de deepfake em comparação com o ano anterior.
Os Países Baixos demonstram interesse em seguir o exemplo dinamarquês. Uma maioria dos parlamentares holandeses já apoia proposta similar, com partidos como GroenLinks-PvdA, VVD, NSC e D66 defendendo a extensão dos direitos autorais para características corporais e vocais. A iniciativa holandesa inclui ainda medidas contra empresas de tecnologia que não atuem contra a disseminação de deepfakes em suas plataformas.
O Departamento de Cultura da Dinamarca planeja avançar com a proposta de emenda à lei de direitos autorais antes do verão de 2025, com retomada esperada para o outono de 2025. A implementação da lei dinamarquesa será observada de perto por outros países europeus, potencialmente estabelecendo um novo padrão para a proteção de identidade digital na era da inteligência artificial.