A relação comercial entre a Europa e o agronegócio brasileiro voltou ao centro das atenções após um episódio envolvendo o Carrefour e frigoríficos brasileiros. O impasse ilustra as dificuldades de equilibrar as crescentes exigências ambientais europeias com as práticas comerciais de parceiros estratégicos como o Brasil. A crise, marcada por um boicote inicial e um pedido de desculpas subsequente, expõe as pressões de consumidores, governos e empresas em um cenário global cada vez mais focado em sustentabilidade.
A polêmica começou quando o Carrefour anunciou a suspensão de compras de carne de fornecedores brasileiros associados ao desmatamento. A decisão, amplamente divulgada na mídia europeia, foi um reflexo direto das crescentes demandas ambientais no continente e da nova regulamentação da União Europeia que exige rastreabilidade de produtos importados para garantir que não contribuam para a destruição de florestas.
No entanto, o impacto foi imediato. A notícia gerou reações intensas no Brasil, tanto de representantes do agronegócio quanto do governo. Frigoríficos acusaram o Carrefour de agir com base em informações equivocadas e prejudicar a imagem de uma cadeia produtiva que busca se adequar a padrões ambientais mais rigorosos.
Em meio à crise, Christophe Rabatel, CEO do Carrefour no Brasil, emitiu uma nota pública reconhecendo a importância do agronegócio brasileiro e pedindo desculpas pelo mal-entendido. O comunicado ressaltou a alta qualidade da carne brasileira e o papel estratégico do país como fornecedor global. Ele também destacou que a suspensão foi limitada e visava garantir o cumprimento de compromissos ambientais, não prejudicar a imagem do Brasil.
O episódio levou o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, a também se posicionar. Em entrevista, ele declarou apoio a um boicote ao Carrefour Brasil, acusando a empresa de prejudicar o setor agropecuário nacional e contribuir para narrativas negativas no exterior. O ministro destacou que o agronegócio brasileiro já adota práticas sustentáveis e que medidas como a do Carrefour desconsideram os avanços feitos pela indústria.
Fávaro também reforçou que o Brasil segue comprometido com a preservação ambiental, mas que exigências unilaterais da Europa, como o Regulamento contra Produtos Associados ao Desmatamento, são percebidas como barreiras comerciais disfarçadas, que penalizam os produtores brasileiros de maneira desproporcional.
A carta de retratação do CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, trouxe um novo tom à discussão. No documento, divulgado pela imprensa brasileira, Bompard pediu desculpas formais aos produtores brasileiros e reafirmou o compromisso da empresa com o Brasil. A mensagem visou desarmar os ânimos, mas também evidenciou os desafios que empresas globais enfrentam ao tentar atender a pressões ambientais e comerciais simultaneamente.
Apesar das desculpas, a crise revelou fissuras na relação comercial Brasil-Europa. Representantes do agronegócio apontaram que episódios como esse prejudicam não apenas a imagem do setor, mas também as negociações para a aprovação do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia.
O pano de fundo europeu
A Europa, que lidera políticas de sustentabilidade global, vive seu próprio dilema. Por um lado, consumidores demandam mais rigor na origem dos produtos. Por outro, empresas enfrentam dificuldades para harmonizar padrões globais em cadeias complexas de fornecimento.
O Regulamento contra Produtos Associados ao Desmatamento, implementado em 2023, reflete essa tensão. Ele exige que produtos como carne, soja e café importados para a Europa estejam livres de vínculos com o desmatamento, sob pena de restrições comerciais. A legislação é vista por ambientalistas como um avanço, mas criticada por países exportadores, que alegam discriminação e custos adicionais.
E o Brasil?
Para o Brasil, o episódio evidencia a necessidade de fortalecer sua diplomacia ambiental e melhorar a comunicação internacional sobre os avanços do agronegócio. O setor é estratégico, representando cerca de 30% do PIB e uma das principais fontes de exportação para a Europa.
O governo brasileiro, no entanto, enfrenta o desafio de demonstrar que práticas sustentáveis são regra, e não exceção. Investimentos em rastreabilidade e certificações ambientais se tornam indispensáveis para evitar crises como a do Carrefour.