O coronavírus criou um impasse para uma equipe de cientistas envolvida em uma missão multimilionária na Noruega – e que até poderia ter se transformado em uma tragédia. A MOSAiC, uma das expedições científicas mais remotas do planeta, está hoje isolada no extremo norte do país. No momento, enquanto os cientistas colhem dados, os coordenadores da expedição trabalham para manter seu cronograma de pesquisas e descobrir maneiras de tirar o grupo de lá.
Em setembro, após anos de planejamento e investimentos de US$ 130 milhões, o navio quebra-gelo alemão Polarstern atracou no arquipélago de Svalbard. Em poucas semanas, a embarcação, dedicada a entender melhor os efeitos das mudanças climáticas sobre o Ártico, já estava cercada de gelo. Nesses seis meses de trabalho de campo, mais de 600 cientistas, de 20 países, têm se revezado no navio, cumprindo diferentes fases da expedição.
O congelamento no entorno do navio podia estar nos planos dos cientistas antes de eles chegarem à Noruega, mas o surgimento do coronavírus, certamente não. Como a pandemia levou ao fechamento de fronteiras e à proibição de voos em várias partes do mundo, os cientistas que estão hoje no Polarstern não podem voar do arquipélago de volta à Alemanha.
A previsão é que o grupo precise ficar ao menos mais seis semanas além do previsto – a permanência seria até meados de abril. A equipe atual, que chegou em fevereiro, é formada por cerca de 100 pessoas, que estão instaladas no navio e também no acampamento montado do lado de fora, no gelo.
Coronavírus à espreita
Mas, antes mesmo das restrições dos voos, a expedição já enfrentava um contratempo que poderia até ter sido fatal. No dia 5 de março, perto do embarque para Svalbard, o integrante de uma das equipes de pesquisadores recebeu diagnóstico positivo para covid-19. Caso tivesse viajado sem que se descobrisse que ele havia contraído a doença, todas as cerca de 100 pessoas da equipe que estão hoje no Polarstern poderiam ser infectadas.
Mas, felizmente, os protocolos de segurança têm sido rigorosos. A expedição tem feito exames duplos em cada cientista que vai para o arquipélago, um quando o pesquisador deixa seu país de origem e um quando ele chega a Svalbard. O cientista infectado e os cerca de 20 membros de seu time conduziriam estudos sobre a concentrações de gases no Ártico. Por ora, todos estão em isolamento na Alemanha. Há planos de adiar essa etapa da expedição até o fim da quarentena do grupo.
Em busca de saídas
Segundo o líder da expedição, Marcus Rex, do instituto alemão Alfred Wegener, o grupo que está hoje no Polarstern não corre risco de ficar sem suprimentos, ainda que a programação previsse reabastecimento a cada troca de “turnos” no navio. “Eles estão focados na ciência”, afirma Rex. Mas a expedição ainda está atrás de alternativas para tirar do arquipélago o grupo atual e levar o próximo. Com a proibição do uso de aviões, uma das possibilidades é uso um segundo navio quebra-gelo para chegar ao local.
A expedição MOSAiC foi inspirada na viagem que o norueguês Fridtjof Nansen fez ao extremo norte do planeta em 1893. A bordo do navio Fram, o explorador esperava chegar ao Polo Norte aproveitando a corrente natural que passa pelo Ártico. O mau tempo e o acúmulo de gelo o fizeram desistir da viagem 18 meses depois. Isso não quer dizer, no entanto, que a expedição não deixou seu legado. Ao lado do também explorador Hjalmar Johansen, Nansen percorreu parte do trajeto a pé e com trenós puxados por cães. A dupla acabou chegando à latitude mais alta alcançada pelo homem até aquele momento.