Rovaniemi é capital da Lapônia, a província mais ao norte da Finlândia, mas o que realmente faz sua fama no mundo todo é o status nada desprezível de ser a "terra do Papai Noel". Essa fama, construída nas últimas décadas, atrai 600 mil turistas por ano, número quase dez vezes maior que a população da cidade, de 62 mil pessoas. Mas, antes de faturar com a fama do presente, Rovaniemi teve que se desvencilhar de fantasmas do passado – e, literalmente, se refazer das cinzas.
LEIA TAMBÉM:
– Noel também é cultura: na Islândia, a tradição é trocar livros no Natal
– Papai Noel coadjuvante: no Natal da Noruega, quem brilha é o Julenisse
– No dia de Santa Luzia, suecos têm uma das mais importantes tradições de fim de ano
– Selo postal natalino surgiu na Dinamarca, que mantém a tradição desde 1904
Em 1939, seus então 6 mil habitantes viviam uma vida pacata quando a cidade foi invadida pela União Soviética, um dos tantos movimentos do xadrez de conflitos da Segunda Guerra Mundial. Os finlandeses resistiram e, em 1940, conseguiram expulsar os soviéticos. Na sequência, para evitar o retorno dos invasores, aliaram-se à Alemanha.
Com a derrota iminente na guerra, os alemães foram expulsos de Rovaniemi em 1944. Mas, na saída, não houve resignação: ao partirem, os alemães destruíram 90% da cidade em um enorme incêndio. Os moradores já haviam sido evacuados, muitos para a Suécia. Nesse processo, traumático, 279 pessoas morreram, como relembra o jornal britânico The Guardian. Outras 200 foram mortas no retorno, muitas vezes pisando em minas terrestres deixadas pelo exército alemão.
Com o fim da guerra, em 1945, a Associação de Arquitetos da Finlândia foi encarregada de elaborar um plano de reconstrução da cidade. A tarefa foi entregue a Alvar Aalto, o maior arquiteto do país, que desenhou um projeto urbanístico no qual as ruas de Rovaniemi lembravam os chifres de uma rena.
Mas, até aí, o apelo turístico ainda não havia surgido. A largada ocorreu em 1950, quando Eleanor Roosevelt, que então liderava a UNRRA, braço das Nações Unidas para Assistência e Reabilitação, decidiu visitar a cidade que estava sendo reconstruída. Como relata o Financial Times, para criar um paraíso de inverno para a ex-primeira dama americana, os finlandeses construíram às pressas uma cabana aconchegante na linha do Círculo Ártico, a leste da cidade. Esse ponto se tornaria a Vila do Papai Noel, com bares, restaurantes, lojas, duendes e, sim, renas de verdade, A Vila é hoje o ponto central de visitação dos turistas que passam por Rovaniemi.
A cabana de Eleanor Roosevelt virou uma espécie de ponto turístico informal, tendo sido visitada por líderes como o ex-premiê soviético Leonid Brezhnev (1964-1982) e Golda Meir, ex-primeira-ministra de Israel (1969-1974). Mas foi só nos anos 1980 que os finlandeses começaram a alardear globalmente uma fama local: a de que Papai Noel mora em Rovaniemi. Em 1981, uma competição de redação de cartas realizada no Reino Unido deu a seis crianças, como prêmio, uma viagem à cidade. Três anos depois, no Natal de 1984, cerca de 20 mil moradores apareceram no aeroporto local para assistir à chegada de um Concorde que partira de Londres, o primeiro dos inúmeros voos fretados de inverno que passaram a aterrissar na cidade regularmente.
Papai Noel virou um tremendo negócio para Rovaniemi – e também um instrumento para a cidade superar os traumas do passado. O futuro é sorridente: a previsão é que o número de turistas atinja a marca de 1 milhão por ano até 2022.