Como a polícia finlandesa conseguiu ganhar a confiança de 95% da população

Em artigo exclusivo para o Scandinavian Way, jornalista Juhani Pajunen explica a importância da bagagem cultural na relação com as forças policiais do país

06 de janeiro de 2019 5 minutos
Europeanway

Por Juhani Pajunen*

Uma estatística interessante da Finlândia é que cerca de 95% da população tem confiança na polícia (uma outra interessante é que apenas 10% da população confia nos políticos). Como é possível que praticamente todos os cidadãos acreditem que a polícia é justa e honesta e que se possa recorrer a um policial no caso de precisar ajuda?

Nas raízes da cultura escandinava estão valores como igualdade, simplicidade, honestidade, modéstia, contato com a natureza e respeito aos outros. Essas não são apenas palavras vazias, mas sim coisas que se realizam no dia a dia. E isso se reflete na relação de confiança com as forças policiais.

Ao falar sobre a relação entre o cidadão e o governo, fala-se muitas vezes da transparência. No entanto, não penso que seja apenas uma questão de transparência. Claro que esse é um fator importantíssimo, mas também outra coisa essencial é a participação, a sensação pessoal de ser capaz de participar na sociedade e no processo de tomada de decisão.

Outra coisa de igual importância é o conceito de justificativa, o que significa que o governo tem o direito moral de cobrar impostos, até impostos altos, e tomar outras medidas necessárias porque nós cidadãos recebemos uma boa compensação por nosso dinheiro. Recebemos bens e serviços que justificam os atos do governo. Um exemplo do sucesso dessa abordagem é que existem apenas algumas escolas privadas no país inteiro. Até os ricos mandam seus filhos para escolas públicas.

Se tudo fosse transparente, mas não existisse participação nem justificativa, a relação entre cidadãos e governo seria muito pior. As declarações da renda e os dados sobre impostos pagos são informação pública na Finlândia – e na Suécia também. Isso significa que eu posso ver quanto ganha o meu vizinho. Essa é mais uma ferramenta para combater as propinas e a corrupção.

É claro que há pessoas que se queixam dos impostos, mas há milionários que se orgulham por pagarem 50 milhões de euros de tributos para bons fins. Isso é considerado uma tributação justa. Do mesmo jeito, as leis e regras têm que ser consideradas justas. Se não, o povo não as obedece. Assim, a relação cidadão-governo tem reciprocidade. Se um dos parceiros pensar que o outro é um vilão, a relação não funciona mais.

Nós, escandinavos, às vezes achamos que a Escandinávia é um paraíso na Terra – e muitas vezes os estrangeiros têm a mesma visão. É verdade que estamos entre as nações mais prósperas do mundo, que a distribuição de renda é justa, que há pouca criminalidade, que ocupamos os lugares mais altos no ranking internacional de transparência e o sistema educacional finlandês foi muitas vezes eleito o melhor do mundo no ranking Pisa. Mas também é verdade que temos problemas. Como renovar a economia e a política?

Como no Brasil, também na Finlândia todo mundo vê que as estruturas velhas já não funcionam, mas é difícil mudar as estruturas existentes. Igualmente na Finlândia o povo se sente frustrado e não tem confiança nos velhos partidos. Assim surgem partidos populistas e outros partidos novos. Mas, ao menos na relação com a polícia, os a;tos índices de confiabilidaded mostram a importância de valores como transparência, participação popular e justificativa para os impostos arrecadados.

*JUHANI PAJUNEN é um empreendedor com 20 anos de experiência em relações públicas. Trabalhou com a agência nacional de notícias finlandesa e como CEO de uma das maiores agências de relações públicas da Finlândia. Atualmente está na Source Creative, agência líder focada em relações públicas governamentais. Em 2018, foi um dos palestrantes da primeira edição do Scandinavian Way, evento realizado em novembro em São Paulo pela consultoria de comunicação Imagem Corporativa que deu origem ao portal Scandinavian Day

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