Céus do continente voltam a se movimentar, mas o voo ainda é curto

Sam Maryama, consultor em sustentabilidade do European Way 14 de outubro de 2025 4 minutos
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A densidade do tráfego aéreo sobre o continente europeu voltou a se aproximar dos patamares que, há seis anos, pareciam irrevogáveis. Em setembro de 2025, o bloco registrou 653.072 voos comerciais, crescimento de 2,6% em relação ao mesmo mês do ano anterior. O número sugere recuperação, mas a realidade é mais complexa: o continente ainda opera 1,8% abaixo do patamar de setembro de 2019, antes da pandemia reconfigurar o mundo.

Cinco anos depois da paralisação quase total provocada pela covid-19, a aviação europeia ensaia um retorno à normalidade. Mas é um retorno atravessado por contradições: enquanto alguns países voam alto, outros seguem no chão. Enquanto a eficiência operacional melhora, a infraestrutura range. E enquanto o tráfego cresce, as emissões de carbono disparam, colocando em xeque o futuro sustentável do setor.

A trajetória recente mostra aceleração gradual. Nos meses de junho, julho e agosto de 2025, os aumentos em relação a 2024 foram de 2,8%, 2,9% e 3,3%, respectivamente. Contudo, comparados a 2019 – o último ano “normal” – esses mesmos meses ainda apresentam déficits de 2,1%, 1,7% e 0,3%.

O verão europeu de 2025 foi, segundo a Eurocontrol, operado com eficiência inédita. Foram quebrados recordes de tráfego para sábado, domingo e semana mais intensa – faltaram apenas 194 voos para superar o dia mais movimentado já registrado. Os atrasos por gerenciamento de fluxo aéreo (ATFM) recuaram 31% por voo, e a pontualidade nas chegadas saltou de 65,2% em 2024 para 71,6% neste ano.

Números impressionantes. Mas que convivem, paradoxalmente, com alertas da Comissão Europeia sobre risco de atrasos recordes, reflexo de uma infraestrutura que, apesar de melhorias pontuais, ainda não acompanha plenamente o ritmo da retomada.

O mapa da desigualdade aérea

Se olharmos além das médias continentais, o cenário revela fraturas profundas. Doze países da UE já superaram os níveis de tráfego de 2019 em setembro de 2025. Portugal lidera com alta de 13,1%, seguido por Chipre (28,4%), Polônia (23,9%) e Malta (21,7%).

No extremo oposto, Letônia (-29,8%), Suécia (-27,3%) e Finlândia (-23,9%) permanecem dramaticamente abaixo do período pré-pandêmico. A discrepância não é acidental: reflete diferenças estruturais na conectividade, no peso do turismo, na capacidade logística e na resiliência econômica regional.

Países mediterrâneos e do Leste Europeu – muitos dependentes do turismo de massa e que sofreram bloqueios mais severos – parecem estar protagonizando recuperações vigorosas. Já na Europa setentrional, a volta é mais hesitante, possivelmente condicionada por rotas menos densas, custos operacionais mais altos e alternativas de mobilidade mais consolidadas, como ferrovias eficientes e redes rodoviárias robustas.

Essa geografia da desigualdade aérea levanta uma questão política: até que ponto a UE pode tolerar uma malha aérea de duas velocidades sem comprometer a coesão e a integração do bloco?

À medida que o tráfego aumenta, os sistemas de controle e infraestrutura enfrentam pressão crescente. A Comissão da UE alertou para o risco de atrasos neste verão, atribuindo parte do problema à escassez de controladores de tráfego aéreo, greves e dificuldades operacionais.

O modelo europeu de gestão do espaço aéreo segue fragmentado: cada país mantém seu próprio sistema nacional, gerando ineficiências e complicações para voos transfronteiriços. O ambicioso projeto Céu Único Europeu (Single European Sky, SES), aprovado como lei da UE em 2024, promete unificar essa governança, ampliar capacidade e reduzir custos e atrasos.

Na prática, porém, a implementação ainda esbarra em resistências nacionais, interesses militares e burocracias locais. O Céu Único continua sendo mais aspiração do que realidade e, sem ele, o espaço aéreo europeu seguirá operando abaixo de seu potencial.

A sombra do carbono

Enquanto aviões voltam aos céus, também voltam as emissões. As projeções indicam que o setor aéreo europeu emitirá cerca de 195,2 milhões de toneladas de CO₂ em 2025, 4% acima dos níveis de 2019.

O dado é alarmante num contexto de urgência climática. A UE comprometeu-se com metas ambiciosas de descarbonização, e o setor aéreo não pode ficar de fora. A pressão por combustíveis sustentáveis de aviação (SAF), a regulação via sistema de comércio de emissões (ETS) e os avanços tecnológicos serão cruciais para conciliar crescimento e responsabilidade ambiental.

Mas o desafio é imenso: SAF ainda é caro, escasso e representa fração mínima do combustível utilizado. Tecnologias como aviões elétricos ou movidos a hidrogênio permanecem distantes da escala comercial. E as companhias aéreas, muitas ainda se recuperando financeiramente da pandemia, enfrentam dilemas sobre quanto e quando investir em transição verde.

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