
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) encerrou oficialmente na manhã de sábado (22), em Belém, após negociações que ultrapassaram o prazo oficial e se estenderam por mais de 30 horas. O resultado, um acordo que triplicou o financiamento para adaptação climática, mas excluiu qualquer menção aos combustíveis fósseis, provocou reações que variaram da frustração à resignação na imprensa europeia.
A cobertura dos mais influentes veículos do continente não apenas revelou diferentes análises sobre os resultados da conferência, mas também uma percepção compartilhada: o multilateralismo climático sobreviveu, embora a urgência da crise não tenha sido correspondida com ações à altura. Além disso, a forma como cada publicação abordou o evento expõe divisões culturais, políticas e até geográficas dentro da própria Europa.
A BBC e a Deutsche Welle lideraram o grupo de críticas mais contundentes, mas com estilos distintos. A BBC adotou um tom mais crítico com pitadas de ironia, fazendo uso do comentário “Ouch!” após relatar o desdém saudita à União Europeia, e escolheu uma foto que mostra André Corrêa do Lago sentado, visivelmente cercado e pressionado por delegados em postura de confronto. O subtítulo “Brasil: não foi sua melhor hora” deixa claro o julgamento do veículo britânico.
Mais do que criticar os resultados, a BBC questionou a própria validade do formato das COPs, sugerindo que é “uma ideia de consenso que vem de uma era diferente. Não estamos mais naquele mundo”. A emissora detalhou como a tentativa brasileira de usar o “mutirão”, uma discussão em grupo ao estilo brasileiro, “piorou as coisas”. Negociadores de países árabes se recusaram a se juntar a grupos com defensores da transição energética. A União Europeia recebeu um recado direto dos sauditas: “Fazemos política energética em nossa capital, não na sua.”
A Deutsche Welle manteve uma crítica vigorosa, porém com foco maior nas vozes dos próprios negociadores. A manchete “COP30 termina com mais faísca do que explosão” estabelece um tom de decepção, mas o veículo alemão dedicou ampla cobertura a críticas internas, especialmente do panamenho Juan Carlos Monterrey Gomez, que afirmou que “a COP e o sistema da ONU estão falhando com as pessoas em escala histórica”, acusando as indústrias responsáveis pela crise, como a de combustíveis fósseis e as que impulsionam o desmatamento.
A DW também destacou a divisão entre países ricos e pobres, ressaltando a acusação do enviado da Tanzânia de que africanos foram forçados a “trocar vidas” por financiamento climático: “Era como se dissessem: ‘Se vocês não aceitarem a eliminação gradual dos fósseis, não podemos triplicar a adaptação.’ Dissemos: ‘Não podemos aceitar isso.'”
O Corriere della Sera merece destaque por seu foco singular: enquanto outros veículos criticaram o processo ou os petro-Estados, o jornal italiano colocou a liderança europeia sob rigoroso escrutínio. O diagnóstico foi claro: “decisões modestas devido à falta de vontade política, objetivos climáticos distantes”. O Corriere deu amplo espaço a vozes italianas, destacando a acusação do deputado Angelo Bonelli, do partido verde italiano AVS, que responsabiliza nominalmente Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, como “co-responsável, junto com sauditas e Emirados Árabes, pelo fracasso da COP30”.
Bonelli ainda afirmou que o governo Meloni e “a direita global podem se considerar satisfeitos por terem contribuído para alinhar as posições da Europa às de Trump e Putin, que trabalharam para sabotar as políticas climáticas”. O jornal também destacou que a crise climática custa à Itália mais de 300 euros por habitante ao ano em danos. O Corriere deu voz ao WWF, que alertou: “títulos sonoros e grandes promessas não se traduziram em ações significativas”, e à Legambiente, que lamentou a “grande oportunidade perdida pela Europa”.
Le Monde e The Economist compartilham uma crítica mais literária e intelectualizada, sem o sarcasmo direto da BBC. O jornal francês construiu sua narrativa em torno da contradição entre o símbolo poderoso da Amazônia e a fraqueza do acordo, descrevendo o cenário como “um centro de convenções em chamas num mundo em superaquecimento”, privilegiando uma ironia poética. O diagnóstico é transparente: o acordo “salva o multilateralismo, mas negligencia a urgência climática”, lembrando que a conferência ocorre 10 anos após o Acordo de Paris, no mesmo ano em que o limite de 1,5°C foi ultrapassado pela primeira vez.
The Economist adotou uma abordagem mais literária e irônica, fazendo referência ao poema de T.S. Eliot para o título “COP30 termina com um suspiro”. A matéria começa com o Papa sendo “projetado” na conferência para alertar que “a criação está gritando”, seguida pelo incêndio no local, que o cientista Michael Mann chamou de “metáfora perturbadoramente apropriada”.
A revista britânica foi áspera na comparação com a COP28 de Dubai, lembrando que em 2023 o acordo havia sido aclamado como “raro sucesso do multilateralismo”, liderado por um petro-Estado. Dois anos depois, em Belém, “o texto não faz referência direta alguma aos combustíveis fósseis”, tornando o acordo um “fumaça” em sua ironia. The Economist destacou ainda o “resultado medíocre” e a ideia de que o sistema das COPs funciona porque os compromissos são voluntários, não exigindo nada concreto.
O Guardian e o Público adotaram posições intermediárias, oferecendo críticas vigorosas, mas reconhecendo também nuances de esperança e complexidade. O Guardian sintetizou a conferência em três palavras em seu título: “Fúria, confusão e gratidão”, refletindo a complexidade do evento. O veículo britânico focou em problemas processuais, incluindo a aprovação de textos pelo André Corrêa do Lago sem permitir manifestações das delegações, o que gerou protestos e interrupção da sessão plenária.
Ainda assim, o Guardian transmitiu a mensagem do enviado climático da ONU, Simon Stiell: “Não estou dizendo que estamos vencendo a luta climática. Mas estamos inegavelmente ainda nela, e estamos lutando de volta.” Uma crítica com esperança residual.
O Público português foi o mais explicitamente interrogativo com o título “Afinal, o acordo da COP30 é bom ou mau?”. O jornal apresentou os dois lados, destacando a criação do Mecanismo de Transição Justa e a ausência de roteiros sobre combustíveis fósseis e florestas. Também deu espaço a críticas sobre a falta de transparência e à forte controvérsia no plenário de encerramento, incluindo a oposição da delegada colombiana, que não aceita que a declaração final omita a causa da crise: “os combustíveis fósseis utilizados pelo capital”, qualificando qualquer omissão como “hipocrisia”. Apesar da crítica, o tom geral foi de perplexidade, não de condenação.
A Euronews seguiu uma estratégia diferente, funcionando como megafone para especialistas e ativistas, com menos análise própria. Destacou declarações de organizações como Oil Change International e Aliança Global das Energias Renováveis, adotando uma postura formalmente mais neutra, porém resultando em uma cobertura dura pelas vozes predominantemente críticas que escolheu amplificar.
O canal apontou que mais de 80 países, incluindo Alemanha, Reino Unido e Países Baixos, apoiaram um roteiro para eliminação gradual dos combustíveis fósseis, mas foram derrotados pela oposição de petro-Estados. Também observou um retrocesso em relação à COP28, quando quase 200 países concordaram com o abandono dos fósseis “de forma justa, ordenada e equitativa”.
Cinco pontos de convergência na cobertura
Apesar das diferenças de tom e abordagem, há consenso claro em cinco pontos na imprensa europeia:
- Vitória dos petro-Estados: Arábia Saudita, Rússia e aliados bloquearam menções aos combustíveis fósseis. The Economist informou que as “ameaças repetidas” do Reino Unido, União Europeia e Estados insulares do Pacífico de não aceitar acordo sem menção aos fósseis “não funcionaram”.
- Insuficiência do acordo: Nenhum veículo considerou o resultado compatível com a urgência climática. The Economist foi explícito ao afirmar que a conferência reconheceu a necessidade de mais ação, mas “falhou em fornecê-la”.
- Multilateralismo preservado, embora enfraquecido: Várias publicações ressaltaram que pelo menos não houve retrocesso.
- Descompasso temporal crítico: Muitos destacaram que a COP30 ocorreu 10 anos após Paris e no ano em que o limite 1,5°C foi ultrapassado. The Economist lembrou que o relatório “Emissions Gap” da ONU, divulgado duas semanas antes, confirma que o aumento nas emissões provavelmente levará ao aumento da temperatura além de 1,5°C “em breve: provavelmente nos próximos cinco anos”.
- Incêndio como metáfora: Diversos veículos citaram o incêndio no pavilhão da COP30 como símbolo perturbador do fracasso climático.
A comparação revela que a imprensa europeia mantém a crise climática como tema central, dedicando recursos e análises sofisticados à COP30, embora revelando frustração com a própria Europa: a União Europeia chegou a Belém com a intenção de liderar a questão dos combustíveis fósseis e saiu de mãos vazias.






