
A União Europeia começa a desenhar um caminho próprio para reduzir a dependência de materiais estratégicos. Atualmente, mais de 90% dos ímãs de terras raras usados na Europa vêm da China, uma dependência que expõe o continente a riscos geopolíticos e econômicos.
O movimento de Bruxelas ocorre em um momento simbólico: em 9 de outubro de 2025, Pequim ampliou de sete para doze o número de elementos de terras raras sujeitos a controle de exportação, reforçando o argumento europeu em favor da autonomia estratégica.
A resposta da UE toma forma no RESourceEU, uma iniciativa inspirada no REPowerEU, plano criado para diversificar as fontes energéticas do bloco após a invasão russa da Ucrânia, em 2022. O novo programa aposta na economia circular, com a recuperação de matérias-primas já contidas em produtos vendidos na Europa, além de compras conjuntas, reservas estratégicas e incentivos à extração e ao refino dentro do território europeu.
Durante uma conferência em Berlim, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentou uma estratégia dividida em três horizontes temporais. No curto prazo, Bruxelas pretende manter o diálogo com a China e coordenar posições com os parceiros do G7. A médio e longo prazo, acelera acordos com países como Austrália, Canadá, Chile, Groenlândia, Cazaquistão, Uzbequistão e Ucrânia, todos com grandes reservas de minerais críticos.
“O objetivo é garantir acesso a fontes alternativas de matérias-primas essenciais no curto, médio e longo prazos para as indústrias europeias”, afirmou Von der Leyen. O plano inclui compras conjuntas e a formação de estoques estratégicos, com foco em ampliar investimentos em produção e processamento dentro da própria União.
Pressão global e disputas comerciais
A decisão da China de ampliar os controles de exportação ocorre em meio a tensões comerciais com os Estados Unidos. Para a Europa, os efeitos são diretos: esses minerais são cruciais para setores como automotivo, defesa, aeroespacial, semicondutores e data centers. Von der Leyen alertou que as restrições chinesas têm “enorme impacto” sobre cadeias industriais estratégicas.
Ainda assim, a construção de consenso interno não é simples. França e Polônia defenderam incluir o tema nas conclusões da última cúpula de líderes, mas não houve unanimidade. A Alemanha, maior economia do bloco e fortemente integrada ao mercado chinês, mostrou resistência, expondo diferentes visões sobre o equilíbrio entre autonomia e interesse econômico.
O presidente francês Emmanuel Macron indicou disposição para usar instrumentos comerciais da UE, se necessário. Von der Leyen reforçou: “No curto prazo, buscamos soluções com nossos colegas chineses. Mas estamos prontos para usar todos os instrumentos disponíveis, se for preciso”.
Na 25ª Cúpula China-UE, realizada em julho de 2025, as partes firmaram um mecanismo de fornecimento conjunto para identificar gargalos e acelerar o envio de matérias-primas críticas. Von der Leyen chamou o canal de “pragmático”, um sinal de que, apesar das tensões, ainda há espaço para cooperação técnica.
Um desafio estrutural
Durante décadas, a Europa se beneficiou da especialização chinesa em mineração e refino de terras raras, um grupo de 17 elementos essenciais para tecnologias de ponta. A China hoje responde por cerca de 60% da produção global e 90% da capacidade de refino, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). Essa vantagem resulta de investimentos maciços e de uma estratégia de longo prazo.
No novo plano europeu, a reciclagem surge como pilar central. Von der Leyen destacou que o RESourceEU ampliará o reaproveitamento de materiais críticos presentes em produtos já comercializados, reduzindo a necessidade de novas importações e fortalecendo uma cadeia mais circular e sustentável.
Mas a tarefa é complexa. Desenvolver capacidade própria de extração e refino exige anos de investimento, conhecimento técnico e vontade política para superar resistências ambientais e altos custos. A experiência recente com o REPowerEU mostrou, no entanto, que a Europa é capaz de realinhar rapidamente suas cadeias de suprimentos quando há determinação política e consenso entre os Estados-membros.
Entre o risco e o pragmatismo
A nova abordagem europeia busca reduzir vulnerabilidades sem romper laços comerciais. Em vez de “desacoplar” da economia chinesa, Bruxelas fala em “desarriscar”, uma tentativa de conciliar interdependência econômica com soberania estratégica.
Na prática, empresas europeias já sentem o impacto. De acordo com a Câmara de Comércio da União Europeia na China, diversas companhias industriais reduziram a produção em agosto, e dezenas de outras planejam paralisações. A crise, antes restrita ao campo diplomático, já afeta a economia real.






