
O avanço silencioso, porém significativo, de brasileiros utilizando o programa de e-Residency da Estônia para operar empresas na União Europeia revela mais do que um movimento pontual de inovação: é um sintoma da busca por estabilidade regulatória, integração econômica global e simplificação burocrática por parte de empreendedores em economias em desenvolvimento.
A adesão do Brasil ao programa disparou nos últimos anos, a ponto de o país tornar-se líder na América Latina em número de e-residents. O programa, que permite a qualquer cidadão estrangeiro abrir e administrar uma empresa na Estônia — e, por consequência, na União Europeia — sem sair de casa, ganhou força durante e após a pandemia, quando o trabalho remoto deixou de ser tendência para se tornar estrutura consolidada da economia digital.
Em maio de 2025, a Estônia intensificou o contato com o Brasil ao lançar em São Paulo um ponto móvel oficial para emissão do cartão de identidade digital, etapa necessária para ativar a e-Residency. A iniciativa não é aleatória. Segundo dados do governo estoniano, mais de 1.100 brasileiros já aderiram ao programa, com centenas de empresas abertas por esse grupo. O crescimento anual tem ultrapassado 20% na América Latina, com forte concentração no Brasil, que se tornou prioridade nas ações diplomáticas e comerciais da Estônia.
Mais do que um CNPJ europeu
A e-Residency não concede cidadania nem residência física, mas permite acesso a uma série de serviços europeus — de contas bancárias a plataformas de pagamento, passando por emissão de notas fiscais, registro de marca e contratação de funcionários sob legislação europeia. Para empreendedores digitais brasileiros, o programa representa uma maneira viável de internacionalização com custos acessíveis e infraestrutura legal sólida.
Em um contexto onde o Brasil ainda ocupa a 133ª posição no ranking Doing Business do Banco Mundial no quesito “abertura de empresas”, o contraste com a Estônia — onde uma empresa pode ser aberta em menos de 30 minutos — é notável.
O programa de e-Residency também é uma peça da estratégia da Estônia de projetar sua influência como hub digital europeu. O país, que integra a União Europeia, a OTAN e a OCDE, usa sua infraestrutura tecnológica e credenciais de cibersegurança como ativos geopolíticos. Em 2023, empresas criadas por e-residents geraram cerca de €67 milhões em receitas fiscais para o Estado estoniano — valor expressivo para um país de 1,3 milhão de habitantes.
Esse modelo de “diplomacia digital” também visa atrair capital humano e ampliar a base de empresas digitais sediadas no país, criando um ecossistema interconectado de inovação, startups e serviços profissionais que dialoga com as diretrizes da União Europeia de transformação digital e soberania tecnológica.
Apesar dos atrativos, o modelo não é isento de riscos. Desde 2022, a Estônia tem endurecido os critérios para novos inscritos, exigindo maior comprovação de intenção empresarial legítima, diante de preocupações com lavagem de dinheiro e uso indevido da infraestrutura digital do país.
Além disso, mudanças fiscais implementadas em 2025, como o aumento do imposto sobre lucros distribuídos para 22% e da taxa de inscrição para €150, tornaram o programa um pouco menos acessível. Ainda assim, o custo-benefício continua sendo positivo para a maioria dos usuários estrangeiros.