
O papel estratégico do agronegócio brasileiro nas negociações do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia foi tema central de um painel realizado nesta terça-feira (15), durante o Europeanday, na capital belga. Participaram do debate Aloysio Nunes, ex-ministro das Relações Exteriores e chefe do escritório da Apex em Bruxelas; Daniel Vallandro Tronco, advogado especializado em agronegócio e sócio do Felsberg Advogados; e Pavel Cardoso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC). A mediação foi conduzida por Lucila Ribeiro, especialista em comunicação corporativa.
A União Europeia é atualmente o segundo maior destino das exportações agrícolas brasileiras, atrás apenas da China. O acordo com o bloco europeu, que pode ser ratificado já em 2025, representa uma abertura para um mercado potencial de 280 milhões de consumidores. Apesar das vantagens comerciais, o processo ainda esbarra em desafios políticos e regulatórios.
Aloysio Nunes chamou atenção para os obstáculos enfrentados no Parlamento Europeu, onde, segundo ele, os interesses locais pesam mais do que os argumentos técnicos e econômicos. “Não se trata de falta de entendimento, mas de interesses políticos locais”, afirmou, citando a Valônia, na Bélgica, como exemplo de região com forte tradição agrícola e resistência ao acordo. Nunes também criticou a desinformação que recai sobre a produção agrícola brasileira, como a ideia equivocada de que a criação de frangos na Amazônia estaria impulsionando o desmatamento. “Nossa legislação ambiental é uma das mais rigorosas do mundo. Na Amazônia, 80% da propriedade precisa ser preservada”, enfatizou. Para o ex-chanceler, o Brasil precisa investir em uma comunicação mais estratégica. “Temos um café reconhecido mundialmente, usamos cacau brasileiro em muitos chocolates consumidos na Europa, mas ninguém sabe disso. Falta uma defesa mais firme da marca Brasil.”
Pavel Cardoso, da ABIC, reforçou a importância de fortalecer a imagem do café brasileiro no exterior, destacando a rastreabilidade como ferramenta essencial para agregar valor e garantir reconhecimento internacional. “O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, mas ainda precisamos fazer com que o consumidor europeu associe esse produto à nossa origem. Ainda existe uma visão de que somos apenas fornecedores de commodities, quando, na verdade, entregamos qualidade, sustentabilidade e inovação”, afirmou. Ele ressaltou que o setor cafeeiro já atende a diversas exigências socioambientais, com propriedades que adotam práticas modernas de cultivo, certificações e sistemas de rastreamento que acompanham o grão da lavoura à xícara. “A rastreabilidade não é apenas uma exigência burocrática. É uma ferramenta de valorização da nossa produção, que mostra que o café brasileiro tem identidade, história e responsabilidade ambiental”, completou. Para ele, o acordo com a União Europeia é uma oportunidade para reposicionar a imagem do produto brasileiro e fortalecer a conexão com consumidores cada vez mais exigentes e conscientes.
A importância da rastreabilidade também foi ressaltada por Daniel Vallandro Tronco, que destacou os impactos de legislações paralelas ao acordo – como o Green Deal europeu – nas exigências feitas aos produtores brasileiros. “O grande desafio não é apenas cumprir as regras, mas comprovar que elas estão sendo cumpridas. É aí que entram as obrigações acessórias, como certidões e sistemas de rastreamento”, explicou. Tronco apontou que o texto mais recente do acordo prevê o reconhecimento, por parte da União Europeia, de sistemas de rastreabilidade oficiais adotados pelos países do Mercosul. “Essa medida facilita a conformidade dos produtos agrícolas exportados e dá maior segurança jurídica aos exportadores.”
Apesar das críticas às dificuldades de acesso ao mercado europeu, os participantes do painel foram unânimes ao afirmar que a sustentabilidade é uma exigência inegociável. Para Tronco, o Brasil tem condições de liderar essa agenda, desde que as normas sejam aplicadas com equilíbrio. “Não se trata de fugir da sustentabilidade, mas de construir caminhos viáveis para cumpri-la. Precisamos evitar que ela se transforme em barreira disfarçada ao comércio”, alertou.
Com a expectativa de ratificação do acordo nos próximos meses, os painelistas defenderam uma atuação coordenada entre setor público e privado para promover internacionalmente os produtos brasileiros e se adequar às novas exigências do mercado europeu. “O momento é agora”, afirmou Aloysio Nunes. “Temos que ocupar os espaços, apresentar nossas credenciais ambientais e comerciais e mostrar que o Brasil é um parceiro confiável e competitivo.”