
A União Europeia está em um momento decisivo na corrida global pela inteligência artificial (IA). Entre iniciativas estratégicas, desafios estruturais e uma regulação pioneira, o bloco busca equilibrar inovação tecnológica com princípios éticos e soberania digital, enquanto enfrenta uma crescente pressão competitiva dos Estados Unidos e da China.
Um dos movimentos mais recentes da Europa nesse cenário foi o lançamento do consórcio OpenEuroLLM, uma iniciativa que reúne 20 organizações, incluindo startups e institutos de pesquisa, para desenvolver modelos de linguagem de IA de código aberto. O objetivo é criar soluções que reflitam os valores europeus de transparência, diversidade cultural e proteção de dados.
O consórcio conta com empresas como as alemãs Aleph Alpha e Ellamind, a francesa LightOn, a finlandesa Silo GenAI e a espanhola Prompsit Language Engineering, além de centros da iniciativa EuroHPC, que busca fortalecer a supercomputação no continente. O projeto, financiado pelo Programa Digital Europeu da Comissão Europeia, é uma tentativa de reduzir a dependência de modelos estrangeiros e fomentar um ecossistema próprio de inovação.
Investimentos insuficientes e a lacuna competitiva
Apesar de avanços estratégicos, a Europa ainda enfrenta um grande desafio em termos de investimento. Apenas 7% do investimento global em software e aplicações digitais vêm do continente, enquanto os Estados Unidos concentram 71% e a China, 15%. Essa disparidade reflete uma lacuna preocupante que pode comprometer a posição europeia na corrida tecnológica e limitar a capacidade de inovação no setor.
Além disso, a ascensão de modelos de IA mais eficientes e sustentáveis desenvolvidos por empresas chinesas, como o DeepSeek-V3, reforça a necessidade de a Europa adotar abordagens mais inovadoras e sustentáveis. Uma possível saída é o foco em aplicações de IA voltadas para benefícios sociais, como saúde, cidades inteligentes e agricultura, áreas nas quais a Europa tem tradição e vantagem competitiva.
O peso da regulação e as tensões com o Vale do Silício
Se por um lado a Europa enfrenta dificuldades para atrair investimentos, por outro, se destaca ao estabelecer marcos regulatórios robustos. Em 2023, a União Europeia aprovou a Lei de IA, a primeira legislação abrangente do mundo para regular o uso da inteligência artificial. A norma estabelece diretrizes rigorosas de transparência e restringe práticas como a vigilância biométrica em tempo real, demonstrando o compromisso europeu com a ética e a proteção dos direitos fundamentais.
Entretanto, essa postura regulatória tem gerado atritos com grandes empresas de tecnologia. Gigantes do Vale do Silício chegaram a vetar o mercado europeu em algumas de suas iniciativas, numa tentativa de pressionar o bloco a flexibilizar suas normas. Esse embate ilustra o delicado equilíbrio que a Europa precisa gerir entre fomentar a inovação e garantir que o desenvolvimento da IA ocorra dentro de um quadro de segurança e direitos individuais.
Além do desafio regulatório, a Europa enfrenta problemas estruturais que dificultam seu avanço na IA. A fragmentação interna entre os países membros, o envelhecimento demográfico e a fuga de talentos para outros mercados mais dinâmicos são obstáculos significativos. A Comissão Europeia reconhece esses problemas e, para enfrentá-los, lançou a “Brújula para a Competitividade”, um plano estratégico para fortalecer a posição europeia no cenário tecnológico global.