Bets invadem o gramado e desafiam o futuro do futebol europeu

28 de agosto de 2025 4 minutos
shutterstock

O apito inicial da temporada 2025/26 mostrou que a disputa no futebol europeu não acontece só dentro das quatro linhas. Nas cinco principais ligas do continente, quem dita o ritmo fora de campo são as bets. Um levantamento do Poder360 mostra são empresas do setor as patrocinadoras master de 15 dos 96 clubes que disputam os campeonatos mais importantes da Europa: Premier League (Inglaterra), Serie A (Itália) La Liga (Espanha), Ligue 1 (França) e Bundesliga (Alemanha). Mais do que aviação, bancos ou tecnologia, tradicionais donos do espaço nas camisas.

No caso do Brasil os números são, proporcionalmente, ainda mais expressivos: 14 casas de apostas são patrocinadores master de 18 dos 20 clubes da série A do campeonato nacional (as duas únicas exceções são Red Bull Bragantino e Mirassol). Consultorias especializadas estimam que o Brasil já é o terceiro país com maior volume de apostas esportivas no mundo. Em termos de maturidade e tamanho de mercado os países europeus ainda lideram, mas o Brasil está em rápida expansão.

Em comparação com a média mundial, os investimentos das chamadas bets chamam a atenção. Levantamento do Itaú Unibanco estima que os gastos do setor com marketing no Brasil situam-se entre R$ 5,8 e 8,8 bilhões. A hipótese do banco é a de que as empresas do setor gastem entre 45% e 75% de suas receitas com publicidade, percentual muito acima de qualquer outro setor da economia.

Enquanto isso, no Reino Unido, o gasto com marketing tem se situado em torno de 20% da receita bruta das casas de apostas. Nos Estados Unidos, onde esse  mercado também está em fase de expansão, as empresas gastam com publicidade e marketing cerca de 30% de suas receitas.

A força das bets é o retrato da metamorfose financeira do esporte. Em tempos de fair play e receitas cada vez mais pressionadas, os clubes encontraram nesses contratos um alívio imediato. Só na Premier League, estima-se que os patrocínios de empresas de apostas alcancem 135 milhões de dólares por temporada. Para os cofres, um golaço. Para a reputação, um lance arriscado que pode custar caro no futuro.

A liga inglesa já decidiu que, a partir de 2026/27, as logos de apostas sairão da parte frontal das camisas. Até lá, no entanto, a corrida é para aproveitar o último suspiro do filão. Hoje, 11 dos 20 clubes da Premier exibem marcas de casas de apostas no peito, e todos têm algum vínculo comercial com o setor. O resultado é uma tabela invertida: quem lidera não são os clubes mais ricos, mas empresas que transformaram estatísticas e palpites em espetáculo paralelo.

A lógica não é exclusiva da Inglaterra. Em países como Itália, Espanha e Bélgica, onde restrições foram aprovadas, muitos clubes encontraram saídas criativas: estampar fundações ou portais de notícias ligados às próprias bets, driblando a regulação. Esse jogo subterrâneo revela a geopolítica do futebol moderno: global no alcance, desigual no controle.

Um caso emblemático foi o da TGP Europe, sediada na Ilha de Man. A empresa oferecia licenças britânicas a sites de origem asiática que não atuavam no Reino Unido, mas estampavam suas marcas em camisas da Premier League. O esquema ruiu em 2025, após denúncias de lavagem de dinheiro e conexões criminosas, deixando um buraco nas contas de vários clubes.

O domínio das bets também é um espelho da macroeconomia europeia. O continente garante estádios lotados e visibilidade global, mas parte do capital vem de mercados frágeis, onde o vício em apostas já é um problema de saúde pública. Para críticos, é um modelo neocolonial: a Europa captura a receita, mas exporta os riscos sociais.

Há ainda um aspecto simbólico. Durante anos, as camisas do futebol europeu foram vitrines de companhias aéreas, montadoras e bancos que vendiam prosperidade e alcance global. Hoje, a estética do jogo é dominada por logotipos de plataformas que convidam o torcedor a virar apostador. O que antes era espetáculo cultural vira estatística em tempo real.

Europeanway

Busca