
Barcelona, o porto de cruzeiros mais movimentado da Europa, está recuando. Após anos de crescimento desenfreado e crescentes protestos locais, a prefeitura e a autoridade portuária anunciaram um plano conjunto para reduzir o número de terminais de cruzeiros de sete para cinco até 2030. A capacidade máxima simultânea de passageiros cairá de 37 mil para 31 mil. A decisão, celebrada pelo prefeito Jaume Collboni como “um marco inédito”, busca conter os impactos negativos do chamado overtourism, o turismo em excesso.
A medida vem em um momento em que o número de escalas de cruzeiros aumentou 21% apenas nos primeiros cinco meses de 2025, em relação ao mesmo período de 2024, com 1,2 milhão de passageiros desembarcando na cidade. Entre 2018 e 2024, o crescimento acumulado foi também de 20%. Essa curva ascendente, aliada à pressão popular, forçou um freio institucional.
A crescente resistência ao turismo em massa não é exclusividade catalã. Em junho, protestos simultâneos contra o overtourism ocorreram em quase 20 cidades do sul da Europa. Em Palma de Maiorca, cartazes diziam: “A sua riqueza é a nossa miséria”. O recado parece ter sido finalmente ouvido em Barcelona.
O plano prevê a consolidação de três terminais em um só, o incentivo a navios que partem e chegam à cidade (em vez de escalas rápidas) e a conexão elétrica dos navios à rede local, o que reduzirá as emissões. Essa última medida alinha Barcelona à meta da União Europeia de eletrificar portos até 2030. Segundo estudo recente, a maioria dos portos europeus ainda está atrasada nesse processo.
“Não se trata apenas de limitar o número de visitantes”, afirmou Collboni. “Queremos que quem venha fique mais tempo, consuma localmente e respeite a cidade.” É uma tentativa de migrar de um modelo quantitativo para um qualitativo de turismo — menos volume, mais valor.
O caso francês: uma outra abordagem
Enquanto cidades como Barcelona enfrentam um ponto de inflexão, a França -país mais visitado do mundo em 2024, com 100 milhões de turistas – ainda não viu protestos em escala similar. Isso se deve, em parte, à dispersão geográfica do turismo francês: Paris divide as atenções com destinos como Versailles, Disneyland, a Côte d’Azur, os vinhedos da Borgonha ou as montanhas dos Alpes. Além disso, segundo o European Tourism Futures Institute, o turismo está mais enraizado culturalmente na capital francesa, o que cria uma maior tolerância local.
Outro fator decisivo é o perfil do visitante. Na Espanha, dois terços dos turistas em Barcelona vêm do exterior, enquanto na França o turismo doméstico superou o internacional em 2024. Visitantes locais tendem a ter mais familiaridade com as normas sociais e culturais, e a respeitar melhor os espaços.
Ainda assim, nem mesmo os franceses estão imunes. O Louvre, por exemplo, recebeu 8,7 milhões de visitantes em 2024, o dobro da sua capacidade ideal. Em junho, os funcionários entraram em greve, denunciando condições de trabalho insustentáveis. O museu mais visitado do mundo está à beira do colapso operacional.
Uma encruzilhada para o turismo europeu
A decisão de Barcelona tem implicações que vão além do Mediterrâneo. Ela sinaliza uma mudança de paradigma em um continente que, por décadas, apostou no crescimento contínuo do setor turístico como motor econômico. O caso catalão será observado de perto por outras cidades turísticas, como Veneza, Lisboa e Dubrovnik, que também enfrentam a tensão entre lucro e preservação.
A longo prazo, a sustentabilidade do turismo depende menos de slogans e mais de políticas públicas ousadas. O desafio é enorme: reequilibrar o setor sem implodir uma cadeia produtiva que representa quase 12% do PIB da Espanha.