Alemanha tenta reverter queda de nascimentos enquanto enfrenta dilema entre liberdade individual e sustentabilidade do Estado

05 de agosto de 2025 4 minutos
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A taxa de natalidade da Alemanha caiu para 1,35 filho por mulher em 2024, o menor índice em quase duas décadas, segundo o Escritório Federal de Estatísticas (Destatis). O dado reascende um velho debate europeu: como preservar o modelo de bem-estar social em sociedades que, cada vez mais, optam por ter menos — ou nenhum — filho?

No país que ajudou a moldar o conceito de “contrato geracional” no pós-guerra, o envelhecimento populacional é visto como uma ameaça tão concreta quanto a escassez de gás no inverno ou os impasses do comércio global. Mas a resposta à crise demográfica está longe de ser unânime. Ela esbarra em dilemas políticos, sociais e existenciais, que opõem liberdade de escolha individual à sustentabilidade de um Estado altamente dependente de contribuições das novas gerações.

A provocação partiu da influencer suíça Julia Brandner, que vive em Berlim e recentemente publicou o livro I’m not kidding, onde descreve sua escolha de não ter filhos e o processo de esterilização voluntária aos 28 anos. O livro gerou reações intensas: de aplausos à hostilidade pública. “Me acusam de sabotar a previdência e extinguir a humanidade”, contou Brandner em entrevista à DW, onde também relatou ter sido hostilizada publicamente por defender sua decisão.

Sua crítica mira não apenas o julgamento social, mas também o modelo que transforma a maternidade em risco econômico para as mulheres: menos renda, mais carga mental e aposentadoria menor.

Segundo Martin Bujard, diretor interino do Instituto Federal para Pesquisa Demográfica (BiB), existe uma discrepância preocupante entre o número médio de filhos desejados (1,8) e o número real de nascimentos (1,35). “Se o desejo se concretizasse, teríamos menos problemas demográficos e maior prosperidade econômica”, diz.

População em retração, Estado em alerta

Em 2024, nasceram 677.117 crianças na Alemanha — 15 mil a menos que no ano anterior. Entre alemãs, a taxa foi de apenas 1,23; entre estrangeiras, 1,84. No mesmo ano, 22% das mulheres e 36% dos homens entre 30 e 50 anos não tinham filhos, segundo o Ministério da Família.

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Fonte: DW

Esse quadro tem implicações diretas sobre o sistema previdenciário e o mercado de trabalho. Segundo o Bundesbank, a proporção de aposentados em relação à população ativa crescerá de forma acentuada até 2035, pressionando os pilares da seguridade social e exigindo ajustes fiscais e reformas estruturais.

Nesse vácuo de políticas eficazes, a extrema direita encontrou espaço para avançar. O partido Alternativa para a Alemanha (AfD) propõe uma “renacionalização da demografia”: menos imigração, mais nascimentos de alemães. Para isso, recupera valores conservadores, como o retorno da mulher ao lar, uma retórica que cresce entre movimentos como os tradwives, defensoras da submissão feminina como virtude.

Não é coincidência que o tema da fecundidade esteja sendo politizado. A crise demográfica é apresentada como crise identitária. Em um país que convive com a memória da eugenia e da natalidade forçada do Terceiro Reich, a instrumentalização do útero para fins ideológicos carrega uma carga histórica incômoda.

A Alemanha não está sozinha. No mundo todo, taxas de fecundidade vêm despencando — com exceção da região do Sahel, na África. A Coreia do Sul atingiu um recorde negativo com 0,75 filho por mulher. No Brasil, a taxa é de 1,55 (Censo 2022).

Frente a esse cenário, surgem respostas variadas. Na Rússia, o governo oferece bônus e punições para estimular a natalidade. Nos EUA, bilionários como Elon Musk defendem abertamente o pronatalismo como missão civilizatória. Mas a socióloga Michaela Kreyenfeld alerta: “Políticas coercitivas ou moralistas só geram ciclos de abandono e desigualdade. A experiência da Romênia sob Ceausescu, nos anos 1980, é o exemplo mais trágico: crianças indesejadas que cresceram sem suporte e sem futuro.”

Se a natalidade não aumenta pela força, o caminho, dizem os especialistas, é pela confiança: oferecer segurança emocional, econômica e estrutural para famílias. Nos anos 2000, a Alemanha foi elogiada por expandir creches e implementar escolas em tempo integral. Mas, hoje, a falta de profissionais e investimentos ameaça essa base.

“Desde 2013 existe o direito legal a uma vaga em creche, mas ele é muitas vezes simbólico. Faltam educadores, e os salários são baixos”, diz Bujard. Em outras palavras, ter filhos ainda é, na prática, um ato de resistência — e, para muitos, um luxo.

 

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