
A União Europeia entra, nesta semana, numa fase crítica das negociações que poderão decidir o futuro de um dos acordos comerciais mais longos e controversos da sua história recente: o tratado de livre comércio com o Mercosul.
Depois de 25 anos do início das tratativas, representantes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu planejam avançar três etapas em um curto espaço de tempo para viabilizar a assinatura final da parceria já no dia 20 de dezembro, no Brasil. Apesar da perspectiva de um consenso, endossada especialmente por Ursula von der Leyen, a aprovação interna na UE permanece incerta. Países como França, Polônia, Irlanda e Hungria têm expressado resistência, citando preocupações com a concorrência para os seus agricultores e alegando que produtos agrícolas do Mercosul poderiam entrar no mercado europeu sem estar sujeitos aos mesmos padrões de produção e regulamentação sanitária.
Enquanto isso, na Europa, a Bélgica anunciou que se abstém, e o papel da Itália é visto como crucial para alcançar o limiar de apoio necessário para a ratificação no Conselho. Antes disso, porém, o acordo ainda precisa de um impulso decisivo: a aprovação das salvaguardas no Parlamento.
Terça-feira: votação das salvaguardas no Parlamento Europeu
Na próxima terça-feira, 16, acontece o primeiro importante passo para a aprovação. Os eurodeputados votarão cláusulas adicionais de reciprocidade e proteção aos produtores europeus. Trata-se de um projeto de lei paralelo que, caso aprovado, servirá como uma camada extra de proteção ao futuro acordo. Na prática, essa medida dá à UE ferramentas para reagir caso produtos do Mercosul causem desequilíbrio no mercado europeu, especialmente no setor agrícola.
A proposta foi apresentada em outubro pela Comissão Europeia, numa tentativa de reunir mais apoio para a aprovação. No Comitê de Comércio Exterior do Parlamento, o texto passou por alterações que deixaram as salvaguardas ainda mais rígidas. Agora, dentre as várias medidas, o documento prevê que a Comissão poderá iniciar uma investigação caso a importação de determinado produto do Mercosul aumente em 5% de um ano para o outro (na proposta inicial da Comissão esse volume era de 10%). Para que o cálculo desse aumento não seja impactado por uma volatilidade pontual de mercado, será levada em conta uma média de 3 anos.
Se a investigação concluir que há prejuízo grave ou ameaça de prejuízo ao produtor europeu, a UE poderá retirar temporariamente as preferências tarifárias sobre os produtos identificados.
Ao mesmo tempo, essas salvaguardas podem ser decisivas para a aprovação do acordo em si. É como aquele detalhe que, se mudar, altera todo o enredo: o clássico efeito borboleta.
Caso as salvaguardas sejam rejeitadas, a margem política para a assinatura final fica demasiadamente estreita e o acordo pode cair por terra. Se aprovadas, a parceria ganha um anteparo importante e liga-se o sinal verde para a votação no Conselho Europeu, fase que pode ocorrer apenas dois dias depois.
Quinta-feira: votação no Conselho Europeu
Em caso de aprovação das salvaguardas, a Comissão Europeia planeja correr para que tudo esteja pronto até quinta-feira, 18, data da última cúpula do Conselho Europeu. A ideia é que os chefes de Estado e governo dos 27 países da UE possam se reunir em Bruxelas para dizer, enfim, se autorizam ou não a assinatura final. A França ainda luta para adiar essa votação.
Porém, como as salvaguardas ainda não foram aprovadas, o Conselho Europeu teve que se preparar para todas as linhas do tempo possíveis e não colocou o tema oficialmente na pauta do encontro. Ao invés disso, na carta-convite, o presidente do Conselho foi engenhoso.
“Gostaria igualmente que trocássemos pontos de vista sobre a situação geoeconômica e as suas implicações para a competitividade da UE. (…) Como fazer para acelerarmos a nossa agenda de diversificação do comércio? Como pode a UE adquirir o grau de autonomia estratégica necessário para que as nossas economias se mantenham competitivas?”, escreveu António Costa.
Para o acordo passar por essa etapa, precisa de maioria qualificada, que represente mais de 65% da população do bloco. Caso contrário, deixa de existir antes mesmo de nascer.
Cenário provável:
- A favor: Alemanha, Espanha, Portugal, Suécia e outros.
- Contra ou reticentes: França, Polônia, Irlanda, Hungria.
- Abstenções: Bélgica (confirmada) e possivelmente algumas surpresas.
- Peça-chave: Itália, que pode definir para que lado o pêndulo se move.
Se a maioria qualificada for alcançada, a próxima parada acontece no Brasil, na cúpula de chefes de Estado do Mercosul.
Sábado: europeus viajam ao Brasil
Com o sinal verde do Conselho, as delegações europeias embarcam para Foz do Iguaçu para a cerimônia de assinatura no dia 20 de dezembro. Esta também é a meta do governo brasileiro: o presidente Lula já afirmou publicamente que espera assinar o documento na reunião, enquanto o Brasil ainda ocupa a presidência rotativa do bloco sul-americano.
Seria o fim de um ciclo iniciado em 1999. Mas essa cena não encerra o filme, apenas marca o ponto de virada. A partir dali, o pacto passa a existir oficialmente, ainda que precise percorrer mais uma etapa para a chancela final.
2026: Parlamento Europeu vota o acordo em si
Após a assinatura, o texto será enviado de volta ao Parlamento, onde precisa de aprovação por maioria simples para entrar em vigor. Essa votação poderá ocorrer ao longo de 2026 e, até aqui, os eurodeputados estão divididos. Mesmo que as salvaguardas sejam aceitas, não há garantias de que o acordo em si terá o aval da casa. Alguns eurodeputados contrários à proposta vão votar a favor das salvaguardas, tidas como uma espécie de seguro.
Se aprovado por mais da metade do parlamento, o pacto se tornará um dos maiores acordos comerciais do planeta, criando uma zona de comércio entre cerca de 780 milhões de pessoas.






