As negociações entre o Mercosul e a União Europeia para um acordo de livre comércio se estenderam por mais de duas décadas e chegaram a um desenlace nesse dia 6 de dezembro, em Montevidéu. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que até o início da semana não havia confirmado sua presença no Uruguai para a reunião de cúpula do Mercosul, chegou de surpresa na última quinta-feira à cidade, sinalizando que as negociações estavam sendo finalizadas.
Em seu discurso oficial do anúncio do acordo, bastante cauteloso, mostrou que ainda há passos importantes à frente.
Ursula van der Leyen tem o mandato para bater o martelo em nome do bloco europeu para esse acordo que abrange 27 países europeus e cinco da América do Sul (uma população conjunta de 700 milhões de pessoas dos dois lados do Atlântico), mas o processo não termina imediatamente. Será necessário o aval do Parlamento Europeu, onde não se preveem maiores dificuldades para o sinal verde. Além disso, os parlamentos dos países da União Europeia e dos países do Mercosul também precisam aprovar o documento final. Alguns governos como os da França e da Polonia têm se mostrado contrários ao acordo, mas como um veto efetivo ao acordo exige esse posicionamento de pelo menos cinco países que totalizem 35% da população do bloco, a previsão é de que não haverá resistência suficiente para interromper a jornada.
Trata-se de um acordo histórico ainda que existam aspectos técnicos a definir como cotas para determinados produtos e serviços, além das travas relativas a prazos para implantação concreta do processo como um todo. Essa nova etapa vai requerer novos esforços e engajamento de corpos técnicos e diplomáticos, reguladores e classe política nas duas regiões.
Quando as conversas começaram, em 1999, o Mercosul – formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai (mais recentemente, a Bolívia aderiu ao grupo) – vislumbrava a integração com a União Europeia como um trampolim para se projetar globalmente. À época, o bloco sul-americano estava em pleno processo de fortalecimento de suas instituições e buscava diversificar suas parcerias comerciais.
Já a União Europeia via o Mercosul como um mercado estratégico, especialmente para bens manufaturados e serviços, ainda que os produtores agrícolas do bloco já então mostrassem preocupações em relação a possíveis impactos diante da concorrência dos seus competidores sul-americanos. O processo, dessa forma, foi marcado por altos e baixos: de disputas sobre subsídios agrícolas e tarifas de importação até divergências sobre regulamentações ambientais e trabalhistas.
O impulso pela integração entre blocos remonta a um ideal consolidado no pós-guerra, com a criação de instituições como o Conselho da Europa em 1949. Esse movimento visava promover estabilidade política e econômica, valores que continuam a influenciar acordos internacionais como o Mercosul-UE.
Hoje, os desafios e as oportunidades permanecem, mas o contexto global é substancialmente diferente. As questões climáticas assumiram protagonismo, e as exigências por padrões ambientais mais rigorosos fazem parte central da pauta da União Europeia. Por outro lado, o Mercosul enfrenta pressões internas para preservar sua competitividade industrial e proteger setores sensíveis, como a agricultura familiar.
Os obstáculos foram muitos ao longo dos anos, mas Ursula von der Leyen soube manter a essência das negociações mesmo com questões sensíveis sempre à mesa, como a produção agrícola, desmatamento e respeito ao meio ambiente.
Dentro da Europa, há vozes dissonantes. A França, historicamente resistente, continua preocupada com o impacto que o acordo pode ter sobre sua agricultura. O presidente Emmanuel Macron tem reiterado a necessidade de um mecanismo de sanções caso compromissos ambientais sejam violados. Outros países, como Polônia e Irlanda, também demonstram reservas, temendo que o tratado enfraqueça os setores agrícolas nacionais e provoque uma concorrência desleal.
Do lado do Mercosul, há hesitações em aceitar cláusulas que possam ser vistas como imposições da União Europeia. A Argentina, por exemplo, em meio a uma crise econômica, é cautelosa quanto a eventuais prejuízos a indústria nacional, enquanto o Brasil adota um tom mais conciliador, especialmente sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, que busca fortalecer laços diplomáticos.
O que muda para o Mercosul?
Uma vez formalizado, o acordo abrirá novos mercados para os produtos agrícolas do Mercosul, especialmente carne e grãos, que enfrentam tarifas elevadas para entrar no mercado europeu. Para a União Europeia, o benefício está no aumento do acesso a um mercado de 300 milhões de consumidores para produtos industrializados e serviços financeiros.
Entretanto, o acordo também traz desafios: a indústria sul-americana, que historicamente luta contra a concorrência de produtos europeus, americanos e, mais recentemente chineses, pode enfrentar dificuldades para se adaptar a um cenário de maior abertura comercial.
Para o Mercosul, o momento é visto como uma oportunidade de se reafirmar no cenário global, enquanto a União Europeia busca consolidar sua posição como promotora de acordos comerciais baseados em sustentabilidade e padrões rigorosos.
Ainda assim, a implementação será uma prova de fogo. Especialistas apontam que os benefícios do acordo devem ser sentidos gradativamente, ao longo das próximas duas décadas, dependendo da capacidade de ambos os blocos de superar diferenças e implementar medidas de transição para setores mais vulneráveis.
Seja qual for o resultado, o acordo Mercosul-UE não será apenas um pacto econômico, mas um marco geopolítico que refletirá os desafios de construir alianças em um mundo cada vez mais interdependente e complexo.