Uma frase de Josep Borrell, chefe de relações exteriores da União Europeia, na abertura da cúpula que reúne representantes da região e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos em Bruxelas é chave para entender a intensidade dos esforços destinados ao fechamento do acordo comercial da UE com o Mercosul. Borrell disse:
“Os europeus não prestaram atenção suficiente à América Latina. Temos que levar em conta um novo cenário geopolítico com a ascensão da China”.
De fato, a Europa olha para a América Latina como uma região que pode se transformar em parceira relevante ao longo dos próximos anos, sendo foco especial de interesse o Brasil (que hoje tem na China seu principal parceiro comercial e é um dos poucos países com superávit comercial junto ao gigante asiático).
Não coincidentemente, a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Lyen realizou um robusto tour pela região há poucas semanas, e na abertura da cúpula em Bruxelas nesta segunda-feira fez bem mais do que um mero discurso diplomático.
“A União Europeia vai investir fortemente na América Latina e no Caribe”, anunciou, ao mencionar a cifra de 45 bilhões de euros como recursos possíveis para financiar projetos de infraestrutura, energia e conectividade digital.
Silenciosamente, a China tem apostado alto na América Latina. Já colocou mais de 100 bilhões de dólares nos últimos dez anos na região na compra total ou parcial de ativos os mais variados. Além disso, a região foi incluída no chamado “Belt and Road”, projeto econômico e geopolítico de Beijing que prevê investimentos de até 5 trilhões de dólares até 2049 em 146 países (até 20 deles na América Latina) para financiar a construção ou modernização de portos, rodovias, ferrovias, aeroportos, pontes, túneis, represas, usinas elétricas e edificações de grande porte.
Olhar para a região via Mercosul e especialmente Brasil, é uma forma de a UE tentar neutralizar ainda que parcialmente o apetite chinês por essa geografia. Um apetite fortemente alimentado pelo seu potencial agrícola, energético e mineral (em especial matérias-primas necessárias para transição para uma economia verde, como o lítio).
Josep Borrell definiu a cúpula em andamento como “ponto de partida para uma nova relação entre a UE e a América Latina”.
Líder do país de maior peso político e econômico entre os parceiros do Mercosul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a pedir um “acordo equilibrado”, referência direta a dois pontos: a recusa do Brasil em aceitar exigências adicionais interpostas este ano (uma side letter foi acrescentada pelos europeus ao processo de negociações pedindo garantias extras em questões ambientais e trabalhistas) e a preocupação em proteger a indústria brasileira diante de uma concorrência mais acirrada com empresas europeias no mercado nacional.
Os países que mais pressionam por garantias adicionais incluídas na side letter da UE são França, Irlanda e Holanda. Eles são fortes na produção de carne, leite e seus derivados, que passariam a disputar mercado com produtos do Mercosul, que disponibiliza os mesmos itens com qualidade e preços bastante competitivos.
Ursula von der Lyen disse que a ambição da União Europeia é “resolver quaisquer diferenças remanescentes o mais rápido possível”. Aos poucos, cresce a percepção de que UE e Mercosul vão conseguir de fato finalizar um acordo comercial no máximo até o final deste ano.
O Mercosul pretende enviar uma contraproposta para a UE com sua visão do que seria um acordo factível e equilibrado entre os dois lados do Atlântico.
Numa menção clara aos olhares da União Europeia em relação a América Latina como um todo, o chanceler espanhol José Manuel Albares disse que a cúpula de dois dias em Bruxelas é uma chance de “lançar uma dinâmica” que ajudará a finalizar acordos comerciais com os quatro países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), além de México e Chile.
Jordi Cañas, deputado espanhol que preside a delegação do Parlamento Europeu nas relações com o Mercosul, disse ao Financial Times que se deve confiar no governo de Luiz Inácio Lula da Silva para proteger a Amazônia. “Ele está certo. O instrumento adicional (side letter) é apenas uma justificativa para bloquear o acordo por outros motivos. Se você quer acabar com o desmatamento, assine o acordo. Assim você tem mais influência para combater o desmatamento.”