A urgência de se revigorar a economia europeia

17 de setembro de 2024 7 minutos
shutterstock

Banqueiro, político, economista, ex-presidente do Banco da Itália e do Banco Central Europeu, ex-primeiro-ministro da Itália.

Essas credenciais levaram Mário Draghi a ser encarregado pela Comissão Europeia para produzir um denso diagnóstico relativo ao futuro da competitividade do continente e seu futuro no cenário global. Os comentários iniciais de Draghi nesse relatório, apresentado oficialmente no último dia 9 de setembro, não poderiam ser mais claros, objetivos e um verdadeiro call to action:

“A Europa tem-se preocupado com o abrandamento do crescimento desde o início deste século. Várias estratégias para aumentar as taxas de crescimento surgiram e desapareceram, mas a tendência permaneceu inalterada. Através de diferentes métricas, abriu-se uma grande disparidade no PIB entre a União Europeia e os EUA, impulsionada principalmente por um abrandamento mais pronunciado no crescimento da produtividade na Europa. As famílias europeias pagaram o preço via perda no padrão de vida. Numa base per capita, os rendimentos médios em termos reais cresceram quase duas vezes mais nos EUA do que na UE desde 2000.

Durante a maior parte deste período, o abrandamento do crescimento econômico foi visto como uma inconveniência, mas não como uma calamidade. Os exportadores europeus conseguiram conquistar quotas de mercado em regiões do mundo com crescimento mais rápido, especialmente na Ásia. Muito mais mulheres entraram no mercado de trabalho, aumentando assim a contribuição para o crescimento. E, após as crises de 2008 a 2012, o desemprego caiu continuamente em toda a Europa, ajudando a reduzir a desigualdade e a manter o bem-estar social. A UE também beneficiou de um ambiente global favorável. O comércio mundial floresceu sob regras multilaterais. A segurança do guarda-chuva de segurança dos EUA liberou os orçamentos da defesa para gastos em outras prioridades. Num mundo de geopolítica estável, não tínhamos motivos para nos preocupar com o aumento da dependência de países que esperávamos que continuassem nossos amigos.

Mas os alicerces sobre os quais construímos essa visão estão sendo agora chacoalhados”.

Segundo o Fundo Monetário Internacional, o problema da produtividade agregada da Europa “pode ser atribuído às diferenças de desempenho ao nível das empresas”, uma vez que entre os dois lados do Atlântico a inovação e a produtividade “divergiram acentuadamente” no âmbito das grandes corporações.

Segundo o FMI o valor de mercado de empresas listadas nos EUA desde 2005 mais do que triplicou, enquanto essa valorização não passou de 60% na Europa. A falta de produtividade, embora generalizada, seria maior no setor de tecnologia: enquanto nos Estados Unidos as empresas dessa área ficaram 40% mais eficientes, no território europeu praticamente nada mudou nesse campo. Isso reflete um menor grau de inovação, facilmente mensurável: o valor dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento no continente tem sido apenas metade dos realizados pelos americanos.

A Europa também estaria sofrendo de uma certa falta de dinamismo empresarial que não estaria limitada às grandes empresas. Há um número relativamente limitado de startups na região e poucas delas com crescimento rápido a ponto de ganharem condições para se transformar em empresas de peso (exceção talvez a Suécia, onde existe grande número de startups vigorosas e várias delas de evolução acelerada).

Nos Estados Unidos, as empresas jovens com crescimento mais rápido empregam seis vezes mais pessoas (em percentagem do emprego total) do que as suas similares europeias. Com menos empresas jovens bem-sucedidas, o risco é de haver menos empresas grandes e altamente produtivas no futuro. Há, em vez disso, uma superabundância de empresas pequenas e de baixo crescimento no continente, segundo a visão do FMI exposta em seu blog oficial.

O dinamismo empresarial mais fraco da Europa deve-se, em parte, a fatores que inibem uma expansão consistente. Dois fatores principais são mencionados:  mercado mais limitado e acesso mais restrito a financiamentos.

A intensidade do comércio entre os 27 países membros da UE é inferior a metade do nível existente entre os 50 estados americanos. Isso significa que uma empresa europeia não vê garantida uma economia de escala aceitável nem os chamados ‘efeitos de rede’ da mesma forma que uma empresa americana – o que é especialmente prejudicial na tecnologia, onde a expansão rápida é fator essencial.

No que diz respeito a acesso ao financiamento, os fatos mostram que nas últimas duas décadas as empresas listadas em bolsa nos EUA captaram cerca de duas vezes mais capital em relação ao seu tamanho do que as suas similares europeias. O capital próprio é crucial para financiar investimentos intangíveis, como patentes ou marcas comerciais, que não podem ser dados como garantia de crédito bancário, e para proteger esses investimentos contra flutuações econômicas de curto prazo. Em contraste, o financiamento através de dívida acarreta taxas de juro mais elevadas, especialmente para as empresas mais jovens.

Nesse contexto, o investimento em capital de risco poderia ajudar as empresas mas a dimensão desse mercado na UE, em percentagem da economia, é apenas cerca de um quarto da que ele representa nos EUA.

O aprofundamento do conceito de mercado único diminuiria, na visão do FMI, as restrições ao crescimento das empresas mais produtivas da Europa. A remoção de barreiras remanescentes ao comércio dentro da UE e o avanço no processo de união dos mercados de capitais da região incentivariam as empresas a realizar investimentos que só compensam quando se pode contar com uma grande base de clientes e/ou clientes potenciais. Investir mais em infraestruturas físicas para ligar os países da UE e uma maior liberalização de comércio e serviços pode expandir o acesso das empresas ao mercado na Europa como um todo de uma forma mais ampla.

A flexibilização das restrições que inibem o capital de risco aumentaria a disponibilidade de financiamento de capital para startups e empresas jovens. As medidas poderiam incluir a harmonização das regulamentações que dificultam os investimentos em fundos de risco de maior proporção.

Melhorar o dinamismo empresarial também exige fortes esforços internos. A flexibilização de barreiras burocráticas ainda existentes ajudaria mais pessoas a abrirem seus próprios negócios, especialmente nos setores dos serviços. Facilitar a criação de empresas inovadoras também exige regulamentações do mercado de trabalho que protejam os trabalhadores mais do que os empregos.

Em outras palavras, isso significa combinar regras trabalhistas mais flexíveis com subsídios de desemprego adequados, e políticas consistentes que apoiem a procura de emprego e o desenvolvimento de competências no mercado de trabalho.

Incentivos fiscais e regulatórios para pequenas empresas capazes de impulsionar um novo vigor econômico ao continente podem ganhar uma calibragem para que sejam a um só tempo eficientes e transitórios. Um último fator deveria ser levado em conta para proporcionar novo fôlego a economia europeia, segundo o FMI:  apoio ao ensino superior e revisão das competências desejadas para um cenário de crescimento, onde novas ideias e novas empresas têm mais chances de prosperar, com apoio de soluções tecnológicas inovadoras.

O World Economic Forum alertava antes mesmo do diagnóstico de Mário Draghi ser tornado público: “À medida que entramos numa nova era geoeconômica, a competitividade da Europa está sob pressão. São necessárias ações ousadas para que as empresas da região possam competir a nível mundial. A expansão em áreas como pesquisa e desenvolvimento em toda a Europa ajudará as empresas a do continente aumentar a sua competitividade”.

 

Europeanway

Busca